Limites de Intervenção Judicial no Conselho de Administração das Sociedades Anônimas de Capital Aberto

Diante do confronto entre a liberdade discricionária dos gestores e o princípio da intervenção mínima para com o princípio da preservação da empresa, não é de todo simples a análise do cabimento da atuação judicial na resolução de conflitos no âmbito do Conselho de Administração, além de seus limites, a fim de não incidir na violação e no insulto à princípios e deveres próprio dos gestores (SPINELLI, 2020).
Assim, diante do intenso fluxo informacional e do número de operações que se realizam no mercado (SPINELLI, 2020), é de se esperar que, dentro do labirinto institucional que se forma dentro das companhias, determinadas ações não correspondem ao interesse geral, principalmente no que diz respeito aos sócios minoritários e a terceiros interessados (SPINELLI, 2012).
Isso leva a uma busca por regulação externa, que pode ser direcionada a entidades especializadas, como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e AMBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), mas que, de forma cada vez mais crescente, com a onda de judicializações de conflitos, o Poder Judiciário é provocado a intervir nas tomadas de decisões do Conselho de Administração das companhias de capital aberto, principalmente quando o Contrato Social falha em prever soluções para eventuais conflitos (GOMES, 2017).
Tudo isso, ainda, tendo em vista a inespecífica atuação do Poder Judiciário, que atua sem o conhecimento técnico que deve ser aplicado ao analisar casos de possíveis faltas dos
administradores perante seus deveres para com a companhia (PANTANO, 2022), gera-se um cenário de grande instabilidade que pode afetar a atuação de administradores no contexto comercial.
Nesse sentido, há de se estabelecer as situações nas quais o Poder Judiciário seria capaz de intervir, limitando está atuação perante os órgãos decisórios das companhias, e delineando um caminho que demonstre sua real efetividade para dirimir as questões a ele apresentadas (ADAMEK, 2009). Isso pois, constituindo-se como uma atividade de constante assunção de riscos e sopesamento de fatores inerentes a ela, a decisão judicial pode vir a ser inespecífica e inadequada (FRAZÃO; CARVALHO, 2019).
Além disso, não só decisões ilícitas podem ser corrosivas aos princípios que norteiam a administração das sociedades anônimas de capital aberto, como também uma intervenção inapta pode vir a atacar diretamente deveres fiduciários dos administradores (SPINELLI, 2012), e responsabilizar, erroneamente, o último, por sua atividade de inevitável assunção de riscos (GAINO, 2009).
Uma interpretação formal acerca dos conflitos (CARVALHOSA, 1998) que permeiam o Conselho de Administração das companhias de capital aberto, que voltam a sua atuação para todo o mercado não só é arriscada, mas também paralisa o mercado financeiro (GORDON; ROE, 2004), concentrando-se em decisões contrárias à limitação da responsabilidade dos administradores fornecida pela Lei das S.A.s (TEIXEIRA, 1956).
Dessa forma, terá a intervenção que se fundar princípio da intervenção mínima, como forma de obter decisões que se adequem ao caso concreto, excepcional, temporária e limitadamente. Além disso, há que se respeitar o contrato social, não sendo aceitável a modificação das bases contratuais ou estatutárias que originaram a companhia.
Frisa-se ainda, que a legitimidade para solicitar a intervenção judicial, salvo casos excepcionais e previstos na lei, deve ser dos sócios. Ao juiz cabe deferi-la tão somente diante de inequívocas provas da sua necessidade e de razoável suposição de que danos irreversíveis podem ser ocasionados (PAULINO, 2021). Ao definir a intervenção, o juiz deve optar pela modalidade menos onerosa, sempre que possível optando pela cogestão ou mesmo pela medida mais branda.
Por fim, nesse deserto legislativo, encontram-se como oásis três opções: o uso do poder geral de cautela do juiz, o recurso à analogia a legislações específicas nacionais e a utilização do direito comparado. Dentre essas, há que escolher a melhor opção, no caso concreto, para sanar a falta de regulação que se vivencia na matéria (PAULINO, 2021). A segurança jurídica, da qual depende intrinsicamente a liberdade econômica da qual se fortalecem os administradores, repousará na resposta adequada do Poder Judiciário à companhia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e as ações correlatas). São Paulo: Saraiva, 2009.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Ed. Saraiva, 1998. Vol. III.
FRAZÃO, Ana; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de. Empresa, mercado e tecnologia. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
GAINO, Itamar. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. São Paulo: Saraiva, 2 ed. 2009.
GOMES, José Ferreira. Da administração à fiscalização das sociedades: a obrigação de vigilância dos órgãos da sociedade anônima. Coimbra: Almedina, 2017.
PANTANO, Tânia. Os Limites da Intervenção Judicial na Administração das Sociedades por Ações. Faculdade de Direito do Largo do São Francisco – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-17112011-114816/publico/Tese_Final_resumida.pdf>. Acesso em: 23/11/2022.
PAULINO, Daniella Bernucci. INTERVENÇÃO JUDICIAL NA ADMINISTRAÇÃO DE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS: Entre a livre iniciativa e a preservação da empresa. Livro eletrônico – Belo Horizonte, 2021: Editora Expert.
SPINELLI, Luis Felipe. Administração das Sociedades Anônimas: Lealdade e conflito de interesses. São Paulo: Almedina, 2020.
TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo: Max Limonad, 1956.