Panorama Atual da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis
Prevista no art. 22 da Lei n° 9.514/1997, a alienação fiduciária de bens imóveis é uma espécie de garantia pela qual o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel da coisa imóvel, tornando-se o fiduciante possuidor direto do bem, e o credor, o possuidor indireto.
Apesar de ser tipicamente utilizada em contratos de financiamento imobiliário, no qual o próprio imóvel adquirido é dado em garantia da dívida, a alienação fiduciária não se restringe as entidades do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), podendo ser contratada por quaisquer pessoas físicas ou jurídicas (art. 22, §1°, da Lei n° 9.514/1997).
A grande vantagem da alienação fiduciária consiste na possibilidade de execução da garantia mediante simples procedimento extrajudicial, de modo que na hipótese de a dívida vencer e não ser paga, a propriedade do imóvel é consolidada em favor do credor fiduciário, cabendo a este realizar, no prazo de 60 dias, leilão público do bem (art. 26, 26-A, 27, da Lei n° 9.514/1997).
Este procedimento extrajudicial, inclusive, teve sua constitucionalidade recentemente confirmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Recurso Extraordinário n° 860631[1], no qual o ministro Luis Fux, voto vencedor, destacou que a existência de um procedimento extrajudicial facilitado é importante para a diminuição de taxas de juros em financiamentos, bem como desafogamento das demandas no judiciário[2].
Destaca-se, por sua vez, que o procedimento de execução extrajudicial se aplica somente com o prévio registro da alienação fiduciária na matrícula do imóvel dado em garantia, conforme art. 23 da Lei nº 9.514/1997. Segundo entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, entretanto, a falta do registro não afeta a eficácia da alienação fiduciária entre as partes contratantes, as quais continuam contratualmente obrigadas em relação aos termos da garantia, de modo que o registro constitui requisito apenas para a eficácia perante terceiros, bem como para a execução do procedimento extrajudicial[3].
Outro ponto importante para o tema se refere ao modo de contratação da alienação fiduciária, o qual pode ser feito tanto por escritura pública quanto por instrumento particular, independentemente do valor do imóvel dado em garantia (art. 38 da Lei nº 9.514/1997), o que na prática representa uma redução nos custos de transação da operação de crédito, pois as partes contratantes podem evitar os emolumentos com tabelião de notas caso optem por um documento privado.
Os Tribunais de Justiça dos estados de Minas Gerais, Pará, Maranhão, Paraíba e Bahia, contudo, interpretam que somente as entendidas integrantes do SFI e SFH podem realizar alienação fiduciária por meio de instrumento particular, de modo que demais contratantes da garantia devem necessariamente pactuá-la mediante escritura pública[4]. Ressalta-se, por outro lado, que todos os demais Tribunais de Justiça entendem que o art. 38 da Lei nº 9.514/1997 se aplica para partes integrantes ou não do SFI e SFH, dispensando-se a celebração de escritura pública para a instituição da garantia.
Apesar da indefinição sobre esse ponto em específico, é certo que a alienação fiduciária constitui um instrumento de garantia com forte segurança jurídica e respaldo jurisprudencial, cujo procedimento de execução é feito totalmente extrajudicial, bem como os custos de transação burocráticos, com exceção dos estados de Minas Gerais, Pará, Maranhão, Paraíba e Bahia, se limitam ao registro em matrícula no cartório de registro de imóveis.
A alienação fiduciária de bens imóveis, portanto, representa uma forma viável, do ponto de vista jurídico e econômico, de garantia de dívidas, sejam elas imobiliária ou não, podendo ser utilizada, inclusive, em operações estruturadas de crédito.
[1] STF. Recuso Extraordinário n° 860631, presidência Ministro Luís Roberto Barroso, Plenário, j. em 26.10.2023.
[2] Fixou-se a seguinte tese para o Tema 982: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”
[3] STJ; Embargos de Divergência em Recurso Especial n° 1.866.844/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, j. em 27.9.2023.
[4] Essa interpretação restritiva é questionável do ponto de vista jurídico, tendo em vista que o art. 38 da Lei nº 9.514/1997 não faz nenhum tipo de diferenciação entre as entidades contratantes da alienação fiduciária. Por esse motivo, inclusive, o tema foi objeto do Procedimento de Controle Administrativo nº 0000145-56.2018.2.00.000 no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), porém o CNJ não adentrou ao mérito da questão, pois entendeu que eventuais questionamentos devem ser realizados no próprio poder judiciário, inexistindo entendimento pacificado até o momento.