Captação de recursos por Token: Compreensão da Classificação e Regulação pela CVM

Lucas F. Gonçalves Bento
Lucas F. Gonçalves Bento

No contexto da economia digital, o surgimento das criptomoedas e dos tokens levanta questões sobre como classificá-los e regulá-los. Para os interessados na área, é crucial entender como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) supervisiona esses ativos, especialmente no que diz respeito à captação de recursos através da tokenização.

  1. Tipos de Tokens e Suas Classificações

Os tokens digitais podem ser divididos em três categorias principais: de pagamento, de utilidade e de segurança/ativos mobiliários. Segundo a Securities and Exchange Commission (SEC) dos EUA, essa classificação depende da função que o token desempenha.

  • Tokens de Pagamento: são aqueles que funcionam de maneira semelhante às moedas correntes, como dólar, euro ou iene, porém sem serem emitidos por governos. Exemplos incluem Bitcoin e Litecoin, destinados a serem usados como meios de pagamento;
  • Tokens de Utilidade: representam acesso futuro a produtos ou serviços oferecidos por uma empresa;
  • Tokens de Ativos Mobiliários: são ativos digitais que representam direitos de participação, parceria ou remuneração em empresas, incluindo fluxos de receita, dividendos ou juros, assemelhando-se a ações ou títulos de dívida.

Quando um token é classificado como Ativo Mobiliário, é geralmente considerado um valor mobiliário e está sujeito à supervisão da CVM.

  1. Determinando a Regulação pela CVM

No Processo Administrativo CVM Nº 19957.003406/2019-91, o colegiado enfatizou que a classificação de um token como valor mobiliário não depende de sua nomenclatura, mas sim de sua função. Isso significa que tokens que não sejam estritamente de segurança também podem ser considerados valores mobiliários, dependendo de suas características e direitos associados.

Para determinar se um token precisa de autorização ou dispensa da CVM para ser comercializado, é feita uma análise com base em cinco critérios, conhecida como “Howey Test”:

– Existe um investimento?

– Esse investimento é formalizado por um título ou contrato?

– O investimento é coletivo?

– Há uma promessa de remuneração aos investidores?

– Essa remuneração é derivada dos esforços do empreendedor ou de terceiros?

Se um token atender a esses critérios, ele deve ser considerado um valor mobiliário e exigirá registro ou dispensa da CVM.

  1. Orientações da CVM Sobre a Necessidade de Registro de Ofertas

A CVM emitiu dois importantes documentos, os Ofícios Circulares CVM/SSE 4/2023 e CVM/SSE 6/2023, que fornecem orientações específicas sobre a caracterização de Tokens de Recebíveis (TR) e Tokens de Renda Fixa (TRF) como valores mobiliários.

Publicado em 4 de abril de 2023, o Ofício Circular CVM/SSE 4/2023 é direcionado aos prestadores de serviços envolvidos na atividade de tokenização. Ele esclarece a caracterização de TR e TRF como valores mobiliários e aborda a realização de ofertas públicas de distribuição de TR nos termos da Resolução CVM 88, sobre Crowdfunding.

A área técnica da CVM identificou emissões e ofertas públicas de TR que apresentavam características de valores mobiliários, sem estarem em conformidade com as normas do mercado de capitais. Esses tokens poderiam ser considerados valores mobiliários com base no conceito de Contrato de Investimento Coletivo (CIC), conforme estabelecido na Lei 6.385, ou através de operações de securitização, conforme previsto na Lei 14.430. Portanto, caso os tokens sejam considerados valores mobiliários, devem cumprir as normas de registro de emissores e de ofertas públicas.

As características desses tokens incluem:

  • Serem ofertados publicamente através de exchanges, tokenizadoras ou outros meios.
  • Conferirem remuneração fixa, variável ou mista aos investidores.
  • Poderem ser representativos, vinculados ou lastreados em direitos creditórios ou títulos de dívida.
  • Os pagamentos de juros e amortização ao investidor decorrem do fluxo de caixa de um ou mais direitos creditórios ou títulos de dívida.
  • Os direitos creditórios ou títulos de dívida são cedidos ou emitidos a investidores finais ou a terceiros que atuam como custodiantes do lastro em nome dos investidores.
  • A remuneração é definida por terceiros, que podem ser emissores, cedentes ou estruturadores.

 

Em algumas situações, pode-se caracterizar uma operação de securitização, equiparada ao Certificado de Recebível, conforme previsto no Marco Legal da Securitização. A natureza de valor mobiliário persistirá sempre que a expectativa de benefício econômico resultar do esforço realizado pelo empreendedor ou terceiros, como cedentes, originadores, exchanges, consultorias ou outros estruturadores, desde que os demais requisitos do Teste de Howey sejam atendidos ou quando houver equiparação substantiva à essência econômica da securitização.

Em 5 de julho de 2023, o Ofício Circular CVM/SSE 6/2023 complementou as orientações do Ofício Circular CVM/SSE 4/2023.

O principal ponto do novo documento é que o Ofício Circular 4/23 não distinguiu quando as modalidades de TR ofertadas publicamente se caracterizam como operação de securitização, contrato de investimento coletivo ou ambos. Portanto, é possível que determinada modalidade de TR seja considerada como contrato de investimento coletivo, sem necessariamente se enquadrar como operação de securitização. Nesse caso, o cumprimento das normas da CVM é igualmente requerido, mas não há obrigação de utilizar uma companhia securitizadora.

A SSE esclareceu também que compreende que a “tokenização” é o processo de representar digitalmente um ativo ou sua propriedade, tornando sua distribuição mais acessível aos investidores. Assim, quando um token que representa um contrato de investimento coletivo em recebíveis ou uma operação de securitização é oferecido publicamente, ele pode ser considerado um valor mobiliário lastreado no crédito ou no direito creditório.

É importante observar que alguns tokens de recebíveis ou de renda fixa, embora sejam considerados valores mobiliários, podem não se enquadrar como operações de securitização quando, simultaneamente:

  • Há uma oferta pública de um único direito creditório, através de um instrumento de cessão ou outra modalidade, sem coobrigação ou retenção de risco pelo cedente ou por terceiros.
  • O fluxo de caixa do direito creditório flui diretamente para os investidores, com mínima interferência do cedente ou de terceiros para facilitar o repasse do fluxo.
  • Não existem mecanismos pré-determinados para substituir, recomprar ou revolver o direito creditório cedido, nem qualquer coobrigação pelo adimplemento do contrato de investimento coletivo oferecido.
  • Não há prestadores de serviços contratados antecipadamente.
  • Em caso de inadimplência, cabe ao investidor adotar medidas judiciais ou extrajudiciais de cobrança, podendo contratar agentes de cobrança.

Por fim, o novo ofício esclarece que o entendimento manifestado no OC 4/2023 não se aplica às ofertas públicas de Cédula de Crédito Bancário (CCB), Certificado de Cédula de Crédito Bancário (CCCB) ou Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), quando atendidos os requisitos do art. 45-A da Lei 10.931.

O documento esclarece que tais títulos são de responsabilidade de instituição financeira ou de entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil e, conforme o art. 2º, § 1º, da Lei 6.385, são excluídos da competência da CVM.

O novo Ofício Circular não esgota, todavia, todas as possibilidades e diferenças entre um contrato de investimento coletivo e uma operação de securitização, nem aborda todas as particularidades das diferentes modalidades de TR.

  1. Conclusão

A regulação de captação de recursos por token pela CVM é fundamental para garantir a transparência e a segurança no mercado de ativos digitais. A definição clara dos tipos de tokens e suas classificações, juntamente com os critérios estabelecidos para determinar a necessidade de registro ou dispensa, proporciona um quadro regulatório sólido que protege tanto os investidores quanto os empreendedores.

Além disso, as orientações detalhadas fornecidas pela CVM através dos Ofícios Circulares CVM/SSE 4/2023 e CVM/SSE 6/2023 são essenciais para esclarecer as nuances das ofertas de tokens e garantir a conformidade com as normas do mercado de capitais. Esses documentos, ainda que não exaustivos ou normativos, não apenas delimitam as operações que requerem registro, mas também oferecem diretrizes claras para os prestadores de serviços envolvidos na atividade de tokenização.

Portanto, importante que os agentes do mercado estejam cientes dessas regulamentações e orientações para garantir que suas atividades estejam em conformidade com a legislação vigente. Somente assim o ecossistema de tokens poderá se desenvolver de forma sustentável, promovendo a inovação e o crescimento econômico de maneira responsável e segura.

REFERÊNCIAS:

CVM complementa esclarecimentos sobre caracterização de tokens de recebíveis e de tokens de renda fixa como valores mobiliários — Comissão de Valores Mobiliários (www.gov.br)

CVM orienta sobre caracterização de tokens de recebíveis e de tokens de renda fixa como valores mobiliários — Comissão de Valores Mobiliários (www.gov.br)

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Lucas F. Gonçalves Bento

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