Finfluencers e a CVM: em que pé está a regulação dos influenciadores digitais de finanças no Brasil

José Matheus Muniz

Na 6ª (sexta) edição de seu relatório de monitoramento dos influenciadores de finanças (finfluencers) nas redes sociais, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) destacou o crescimento de 181% (cento e oitenta e um por cento) na audiência dos finfluencers nos últimos três anos[1].

O estudo, feito em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), indica que os finfluencers, em conjunto, possuem aproximadamente 208 milhões de seguidores. Além disso, esses influenciadores “aumentaram em 96% a quantidade de publicações que mencionam produtos [de investimento]”[2].

A metodologia da Anbima dividiu os finfluencers em 13 tipologias, que compreendem, principalmente, (i) produtores de conteúdo; (ii) investidores independentes; (iii) assessorias e/ou corretoras de investimentos; (iv) analistas independentes ou que fazem parte de casas de análises; (v) traders; dentre outros[3].

O relatório destaca, ainda, que houve um aumento no número de perfis corporativos: enquanto nas primeiras edições do relatório elaborado pela Anbima os influenciadores eram, em sua maioria, pessoas físicas, recentemente, verificou-se um aumento no número de contas ligadas a empresas e a finfluencers que se tornaram pessoas jurídicas, ou seja, influenciadores que transformaram suas atividades nas redes sociais em negócios[4].

É certo que o crescimento da audiência e do engajamento aos finfluencers acompanha e, inclusive, retroalimenta, o aumento do interesse dos brasileiros no mercado financeiro verificado nos últimos anos[5]. De acordo com estudo da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão S.A. (B3), em 2020, 73% (setenta e três por cento) das pessoas entrevistadas pela B3 afirmaram que aprenderam a investir por meio de canais no YouTube e finfluencers[6].

Por essa razão, a CVM pautou a possível regulação envolvendo esses influenciadores e o mercado de capitais em sua agenda regulatória e, ainda em 2022, publicou estudo sobre o tema[7]. De acordo com a autarquia federal, a CVM não pretende regular a atuação dos finfluencers, mas garantir que, caso ocorra a contratação de influenciadores por entidades reguladas pela CVM, esta ocorra de forma transparente, ficando claro que referida divulgação é patrocinada[8].

Isso, porque, como o estudo da Anbima supracitado indicou, o número de publicações dos influenciadores envolvendo produtos de investimento aumentou consideravelmente e a autarquia possui regras específicas para a publicidade de ofertas públicas, que precisam ser rigorosamente seguidas pelos participantes do mercado.

Nesse sentido, em 13 de novembro de 2023, a Anbima divulgou as Regras e Procedimentos para Contratação de Influenciadores Digitais, estabelecendo normas para que as instituições aderentes ao Código de Distribuição de Produtos de Investimento, também da Anbima, sigam sempre que contratarem finfluencers[9].

A discussão sobre o tema, ainda, vai além da publicidade e abrange a regulação da CVM sobre a atividade de analista de valores mobiliários, prevista na Resolução CVM 20/2021. Atualmente, a autarquia entende como analista de valores mobiliários a “pessoa natural ou jurídica que, em caráter profissional, elabora relatórios de análise destinados à publicação, divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a clientes[10].

Para exercer a atividade de analista de valores mobiliários, é obrigatório o credenciamento na CVM, e existem semelhanças dessa atividade com o trabalho de muitos finfluencers nas redes sociais – ainda que estes não apresentem as suas análises em relatórios[11]. Para executivo da Anbima, a discussão merece aprofundamento pois mesmo o que os influenciadores de finanças compartilham como mera opinião pode ser interpretado pelos seus seguidores como recomendação ou análise[12].

Fora do Brasil, o crescimento dos finfluencers vem, igualmente, gerando discussões sobre a sua influência no mercado financeiro. O CFA Institute, organização sem fins lucrativos responsável por iniciativas de certificação de profissionais e educação financeira, reconheceu que esses influenciadores exercem um papel significativo na educação financeira de jovens da Geração Z e nem sempre apresentam informações suficientes e objetivas sobre investimentos – inclusive se determinado conteúdo é ou não uma publicidade[13].

Já a International Organization of Securities Comission – IOSCO, organização internacional que reúne reguladores e autorreguladores do mercado financeiro mundial, pautou dentre as suas iniciativas para o ano de 2024 a participação de influenciadores de finanças no mercado e a publicização de produtos de investimentos[14].

Dessa forma, fica claro que entidades reguladoras do mercado financeiro, no Brasil e no mundo, reconhecem o impacto que os finfluencers já possuem sobre os investidores e procuram criar regulações para que informações sobre investimentos sejam compartilhadas com responsabilidade.

No Brasil, o relatório da Anbima nos mostra que alguns finfluencers possuem número de seguidores expressivo que poderiam até, na visão do autor, influenciar o preço de ativos financeiros, de acordo com seus interesses. Ou, ainda, em uma perspectiva mais privada, fazer com que investidores percam o dinheiro que investiram – que pode ser o único que possuem, como bem pontuou a finfluencer Nathália Rodrigues, a Nath Finanças, em entrevista ao Estadão[15].

Logo, o que a CVM e a Anbima procuram é conscientizar, tanto os investidores, quanto os finfluencers, da responsabilidade que estes últimos têm perante o mercado financeiro. Porém, é importante que isso seja feito sempre considerando o papel fundamental que estes influenciadores têm de educar e introduzir novos investidores ao mercado, tornando-o um espaço mais democrático e dinâmico.

E durante esse período de novidades regulatórias, os participantes do mercado devem se atentar às constantes novas regulações que são divulgadas, bem como às consultas públicas que vêm sendo abertas pela CVM sobre o tema.

 

Bibliografia:

ANBIMA. Audiência de finfluencers salta 181% em três anos e chega a 208 milhões de seguidores. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/audiencia-de-finfluencers-salta-181-em-tres-anos-e-chega-a-208-milhoes-de-seguidores.htm Acesso em: 11 mai. 2024.

ANBIMA. Começam a valer hoje as regras da ANBIMA para contratação de influenciadores para publicidade. Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/imprensa/comecam-a-valer-hoje-as-regras-da-anbima-para-contratacao-de-influenciadores-para-publicidade-8A2AB28B8B68905E018BC9E257541186-00.htm. Acesso em 31 mai. 2024.

ANBIMA. Finfluence: quem fala de investimentos nas redes sociais. 6ª edição. abr. 2024 Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/influenciadores-de-investimentos-6.htm Acesso em: 11 mai. 2024.

ANBIMA. Resposta à consulta pública da CVM sobre influenciadores sugere diferenciar opinião de recomendação ou análise. Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/resposta-a-consulta-publica-da-cvm-sobre-influenciadores-sugere-diferenciar-opiniao-de-recomendacao-ou-analise.htm. Acesso em 31 mai. 2024.

Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da Comissão de Valores Mobiliários. Influenciadores Digitais e o Mercado de Capitais Brasileiro: Uma análise do custo-benefício da edição de regramento para ampliar a transparência da relação comercial entre tais influenciadores e participantes do mercado de valores mobiliários. abr. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/20230418-air-influenciadores.pdf. Acesso em 11 mai. 2024.

B3. A descoberta da bolsa pelo investidor brasileiro. Disponível em https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/consultas/mercado-a-vista/perfil-pessoas-fisicas/perfil-pessoa-fisica/. Acesso em: 13 mai. 2024.

CFA Institute. CFA Institute Outlines Policy Recommendations for “Finfluencer” Social Media Content. Disponível em: https://www.cfainstitute.org/en/about/press-releases/2024/policy-recommendations-for-finfluencer-social-media-content. Acesso em 31 mai. 2024.

CVM. CVM divulga estudo sobre possível regulamentação envolvendo influenciadores digitais e o mercado de capitais. Disponível em https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2023/cvm-divulga-estudo-sobre-possivel-regulamentacao-envolvendo-influenciadores-digitais-e-o-mercado-de-capitais. Acesso em 31 mai. 2024.

International Organization of Securities Comission (IOSCO). IOSCO Board Priorities – Work Program 2023-2024. Disponível em https://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD731.pdf. Acesso em 31 mai. 2024.

LANZA, Luíza. O que dizem os influencers sobre as novas regras da CVM. O Estado de São Paulo, São Paulo, 12 jan. 2024. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/comportamento/influencers-investimentos-opiniao-regras-cvm/. Acesso em 13 mai. 2024.

NETTO, Victoria. Influenciadores ‘analistas’ entram na mira da CVM. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 22 mar. 2024. Disponível em:  https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/03/22/cvm-mira-influenciador-analista.ghtml. Acesso em 31 mai. 2024.

[1] ANBIMA. Audiência de finfluencers salta 181% em três anos e chega a 208 milhões de seguidores. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/audiencia-de-finfluencers-salta-181-em-tres-anos-e-chega-a-208-milhoes-de-seguidores.htm Acesso em: 11 mai. 2024.

[2] ANBIMA. Finfluence: quem fala de investimentos nas redes sociais. 6ª edição. abr. 2024 Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/influenciadores-de-investimentos-6.htm Acesso em: 11 mai. 2024.

[3] ANBIMA. op. cit.

[4] ANBIMA. op. cit.

[5] De acordo com relatório da B3, entre 2018 e 2022, houve um aumento de mais de 700% (setecentos por cento) no número de investimentos pessoa física na B3 (B3. A descoberta da bolsa pelo investidor brasileiro. Disponível em https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/consultas/mercado-a-vista/perfil-pessoas-fisicas/perfil-pessoa-fisica/ Acesso em: 13 maio 2024.).

[6] B3, op. cit.

[7] Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da Comissão de Valores Mobiliários. Influenciadores Digitais e o Mercado de Capitais Brasileiro: Uma análise do custo-benefício da edição de regramento para ampliar a transparência da relação comercial entre tais influenciadores e participantes do mercado de valores mobiliários. abr. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/20230418-air-influenciadores.pdf. Acesso em 11 mai. 2024.

[8] CVM. CVM divulga estudo sobre possível regulamentação envolvendo influenciadores digitais e o mercado de capitais. Disponível em https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2023/cvm-divulga-estudo-sobre-possivel-regulamentacao-envolvendo-influenciadores-digitais-e-o-mercado-de-capitais. Acesso em 31 mai. 2024.

[9] ANBIMA. Começam a valer hoje as regras da ANBIMA para contratação de influenciadores para publicidade. Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/imprensa/comecam-a-valer-hoje-as-regras-da-anbima-para-contratacao-de-influenciadores-para-publicidade-8A2AB28B8B68905E018BC9E257541186-00.htm. Acesso em 31 mai. 2024.

[10] Art. 1° da Resolução CVM n° 20, de 25 de fevereiro de 2021, conforme alterada.

[11] NETTO, Victoria. Influenciadores ‘analistas’ entram na mira da CVM. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 22 mar. 2024. Disponível em:  https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/03/22/cvm-mira-influenciador-analista.ghtml. Acesso em 31 mai. 2024.

[12] ANBIMA. Resposta à consulta pública da CVM sobre influenciadores sugere diferenciar opinião de recomendação ou análise. Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/resposta-a-consulta-publica-da-cvm-sobre-influenciadores-sugere-diferenciar-opiniao-de-recomendacao-ou-analise.htm. Acesso em 31 mai. 2024.

[13] CFA Institute. CFA Institute Outlines Policy Recommendations for “Finfluencer” Social Media Content. Disponível em: https://www.cfainstitute.org/en/about/press-releases/2024/policy-recommendations-for-finfluencer-social-media-content. Acesso em 31 mai. 2024.

[14] International Organization of Securities Comission (IOSCO). IOSCO Board Priorities – Work Program 2023-2024. Disponível em https://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD731.pdf. Acesso em 31 mai. 2024.

[15] LANZA, Luíza. O que dizem os influencers sobre as novas regras da CVM. O Estado de São Paulo, São Paulo, 12 jan. 2024. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/comportamento/influencers-investimentos-opiniao-regras-cvm/. Acesso em 13 mai. 2024.

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