A Resolução CVM 88 como rito alternativo para as ofertas públicas de distribuição de CRI e CRA

José Matheus Muniz

A Resolução CVM 88 como rito alternativo para as ofertas públicas de distribuição de CRI e CRA. 

Os certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e os certificados de recebíveis imobiliários (CRI) são títulos de securitização lastreados em operações de crédito ligadas ao setor do agronegócio e imobiliário, respectivamente1. São considerados valores mobiliários2 de renda fixa e atrativos por serem isentos de Imposto de Renda e de Imposto sobre Operação Financeiras para pessoas físicas. São emitidos pelas securitizadoras, pessoas jurídicas reguladas pela CVM, autorizadas a realizar a securitização de dívidas, ou seja, a transformar os créditos de outras empresas em papéis que podem ser comprados por investidores no mercado de capitais.3 

As ofertas públicas de distribuição dos CRA e CRI são majoritariamente realizadas pelos ritos de distribuição previstos na Resolução CVM n° 160, de 13 de julho de 2022, quais sejam, o rito de registro ordinário de distribuição e o rito de registro automático de distribuição. O primeiro, mais demorado, demanda análise da oferta pela CVM e é normalmente destinado ao investidor varejo (público em geral). O segundo, que permite a aprovação automática da oferta, é consideravelmente mais rápido e normalmente destinado a investidores mais sofisticados (profissionais ou qualificados, nos termos da regulação da CVM). A Resolução CVM 160 ainda prevê o rito de registro com análise prévia por entidade autorreguladora, menos utilizado até o momento. 

A despeito da Resolução CVM 160 representar um avanço no registro e condução das ofertas públicas perante a autarquia – principalmente quando comparada às normativas anteriores4 –, o processo de aprovação das ofertas destinadas ao público em geral ainda pode ser visto como burocrático e lento. Isso se dá, principalmente, pela proteção ao investidor varejo que a CVM promove, em razão da presunção de sua inexperiência no mercado de capitais. 

Nesse sentido, nos últimos anos, vem ganhando força outro mecanismo de captação de recursos regulado pela CVM – o crowdfunding – que, a depender do caso e das características da emissão, pode representar uma alternativa eficiente e dinâmica para a emissão de valores mobiliários. 

De acordo com a própria autarquia, o equity crowdfunding ou crowdfunding de investimento é uma modalidade de captação de recursos, com dispensa de registro, que pode ser utilizada por sociedades empresárias de pequeno porte e realizada exclusivamente por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo. 

A captação de recursos por esse meio é regulada pela Resolução CVM n° 88, de 27 de abril de 2022, e já permitiu, em 2023, a captação do valor aproximado de R$ 360 milhões, superando os R$ 240 milhões captados em 2022 (o que representa um aumento de 50%)5. Como exposto, se cumpridos determinados requisitos, as ofertas de crowdfunding não necessitam de registro, tampouco de análise pela CVM, e podem ser negociadas para investidores varejo –limitado ao valor de R$ 20 mil reais ao ano por investidor.  

Por essas razões, é que o ramo segue aquecido e foram criadas no Brasil diversas plataformas de investimento eletrônico6 nos últimos anos7. 

As sociedades que se enquadram como “sociedades de pequeno porte” e, consequentemente, têm a permissão da CVM de emitir valores mobiliários utilizando do rito da Resolução CVM 88 devem possuir receita bruta anual, no exercício anterior ao de eventual oferta, de até R$ 40 milhões e não possuíre8m registro como emissor de valores mobiliários junto à CVM. Nos casos em que a sociedade seja controlada por outra pessoa jurídica ou fundo, a receita bruta consolidada anual do conjunto de entidades que estejam sob controle comum não poderá ultrapassar R$ 80 milhões. 

Adicionalmente, para que ocorra a dispensa de registro da oferta perante a CVM, determinadas exigências da legislação devem ser seguidas, merecendo destaque as seguintes: (i) o valor de captação não poderá ser superior a R$ 15 milhões (dentro de um mesmo ano, independentemente do número de ofertas); (ii) o prazo de captação (da oferta) não poderá ser superior a 180 dias; e (iii) os recursos captados pela sociedade não poderão ser utilizados para (a) aquisição de participação minoritária em outras sociedades; e (b) concessão de crédito a outras sociedades. 

Ainda que inicialmente criada para o financiamento de empresas em estágio embrionário (principalmente startups), desde que cumpridos os requisitos impostos ao emissor, as securitizadoras que se enquadrarem como sociedades de pequeno porte também podem utilizar do rito da oferta pública de distribuição para crowdfunding. Dessa forma, a Resolução CVM 88 apresenta interessante alternativa para a distribuição de títulos securitizados.  

Além de permitir o fácil acesso do investidor varejo ao CRI e ao CRA, por meio de um procedimento de distribuição sem a necessidade de registro da oferta na CVM, esse rito de oferta pode diminuir os custos da emissão. Isso, porque, é dispensada a contratação das figuras do escriturador e coordenador líder para atuação na oferta.

Com a redução dos custos e limitação de receita e valores da oferta, esse rito de distribuição permite que empresas menores tenham acesso à securitização de suas dívidas por meio do CRI ou do CRA. Exemplo recente da utilização desses mecanismos foi um CRI no valor de 1,3 milhão emitido no final de 20239. 

Vale destacar, que ainda é fundamental a atuação de um profissional para a escrituração dos valores mobiliários ofertados, bem como a contratação de profissional de compliance pelo emissor a partir do exercício em que alcançar o valor de R$ 30 milhões em ofertas públicas intermediadas. Além disso, caso a receita bruta da sociedade ultrapasse R$ 10 milhões de reais ou a oferta pública objetive captar quantias acima desse valor, deverá ser contratado profissional para auditoria das demonstrações financeiras da sociedade. Por fim, é obrigatório que os valores mobiliários sejam disponibilizados exclusivamente em plataforma eletrônica criada especificamente para essas ofertas. 

Dessa forma, o rito de distribuição da Resolução CVM 88 apresenta-se como uma eficiente alternativa para emissões menores de CRI e CRA, por dispensar a necessidade de qualquer aval por parte da CVM e facilitar o acesso do investidor varejo a estes papéis de investimento. A sua utilização também representa uma importante diminuição das despesas nas ofertas, ao permitir que um corpo reduzido de profissionais atue nas ofertas, o que facilita a emissão de CRI e CRA por empresas menores. 

 

Referências:

1 Conheça CRI e CRA, aplicações de renda fixa sem IR. InfoMoney. São Paulo, 4. nov. 2022. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/guias/cri-cra/. Acesso em: 12. jul. 2024. 

2 De acordo com o artigo 20, § 1º, da Lei n° 14.430, de 3 de agosto de 2022, os certificados de recebíveis serão considerados valores mobiliários quando ofertados publicamente ou admitidos à negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários. 

3 Securitização. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/securitizacao.htm. Acesso em 12. jul. 2024. 

4 Dentre outros normativos revogados, a Resolução CVM 160 revogou a Instrução CVM n° 400, de 29 de dezembro de 2003 e a Instrução CVM n° 476, de 16 de janeiro de 2009, que regulavam as ofertas públicas de valores mobiliários antes de sua substituta. 

5 Comissão de Valores MobiliáriosBoletim Econômico. ano 11. v. 100Rio de Janeiro, 2024. p. 15. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-economico/boletim-economico-edicao-11. Acesso em: 11 jun. 2024. 

6 São as pessoas jurídicas regularmente constituídas no Brasil e registradas na CVM para exercer profissionalmente a atividade de distribuição de ofertas públicas de crowdfunding. Conforme dispõe o artigo 5° da Resolução CVM 88, são o ambiente de negociação obrigatório das ofertas de crowdfunding. 

7 CVM divulga relatório com dados do mercado de crowdfundingComissão de Valores Mobiliários, Rio de Janeiro, 7 jul. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/2023/cvm-divulga-relatorio-com-dados-do-mercado-de-crowdfunding. Acesso em 12. jun. 2024. 

9 SOUZA, Karina. Está na rua o menor CRI do Brasil. Exame, São Paulo, 6. dez. 2023. Disponível em: https://exame.com/invest/onde-investir/esta-na-rua-o-menor-cri-do-brasil/, Acesso em: 12. jul. 2024. 

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