Prática Societária: Limites da competência da Junta Comercial e possibilidades de recursos administrativos

Alessandra Denissa Koyama, João Vitor Calabuig Chapina Ohara e Thales Vieira Dias
Alessandra Denissa Koyama, João Vitor Calabuig Chapina Ohara e Thales Vieira Dias

O registro público de informações tem influência direta no desenvolvimento e estruturação do comércio, vez que gera as presunções de legalidade e adequação formal dos comerciantes, as quais são essenciais para assegurar a segurança jurídica de negociações1. Nesse exato sentido, a Lei n° 8.934/1994 (“LRPEM”) estabelece como uma das finalidades do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas.

Para a operacionalização dos registros empresariais, por sua vez, a LRPEM estabelece que o Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (“SIREM”) é composto pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) – supervisor, orientador, coordenador e normatizador na área técnica -, e as Juntas Comerciais – executoras e administradoras dos registros empresariais.

Dentro desta organização do SIREM, as empresas e o público em geral lidam direta com as Juntas Comerciais, pois, nos termos do artigo 32 do LRPEM, são estas efetivamente que realizam os registros dos atos societários, podendo, inclusive, negá-los ou fazer exigências complementares (artigo 40, §1°, da LRPEM). Ressalta-se, no entanto, que a análise de registro pela Junta Comercial recai apenas sobre os aspectos formais dos atos societários (artigo 40, caput, LRPEM), sendo que eventuais negativas de registro devem ser formuladas com base nas previsões do artigo 32 da LRPEM, não podendo ser exigido documentos adicionais que não aqueles previstos expressamente em lei ou no Decreto n° 1800/1996 (artigo 36, Decreto n° 1800/1996).

Não compete a Junta Comercial, portanto, analisar o mérito dos atos societários, mas tão somente os requisitos formais exigidos por lei, sendo que eventual questionamento do conteúdo do ato deve ser questionado pela parte interessada no respectivo órgão judicial competente2-3-4. A título de exemplo, a Junta Comercial não pode se recusar a registrar um ato que deliberou pela aprovação de contas dos administradores sob a justificativa de que tais contas estariam erradas, tendo em vista que se trata de matéria de mérito e de competência exclusiva dos sócios, sendo que eventual negativa ou exigência registral deve se basear em erros formais, tal como a não comprovação da convocação dos sócios nos termos do artigo 1.152, §3°, do Código Civil.

No dia a dia da prática societária, contudo, não são raras as vezes em que os vogais da Junta Comercial excedem a competência da análise formal e se imiscuem no mérito do ato societário para realizar exigências. Diante do cenário de inconformismo com a respectiva exigência ou indeferimento de registro, pode-se recorrer da decisão do vogal dentro da esfera administrativa da própria Junta Comercial – pedido de reconsideração e recurso ao Plenário -, bem como do DREI – recurso ao DREI.

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO

O pedido de reconsideração será cabível quanto aos despachos singulares ou de turmas que formulem exigência, devendo ser protocolado no prazo de cumprimento da respectiva exigência e deve ser endereçado ao Presidente da Junta Comercial. Os diplomas normativos ainda prescrevem que, caso o despacho tenha sido proferido singularmente, a própria autoridade que emanou a decisão terá 3 dias úteis para apreciar o pedido, enquanto nas decisões de turmas, estas possuem o prazo de 5 dias úteis para reavaliarem a exigência (artigo 45, LRPEM).

RECURSO AO PLENÁRIO

Na hipótese de decisões definitivas, não é cabível pedido de reconsideração, mas sim recurso ao Plenário da Junta Comercial, conforme inteligência do artigo 46 da Lei n° 8934/94. De acordo com o dispositivo, o Plenário deve decidir sobre o recurso no prazo máximo de 30 dias, o que deve ser observado com cautela. Isso porque o Decreto 1.800/1996, ao regulamentar o procedimento, divide o recurso ao Plenário em fases de instrução e julgamento (artigo 66 e seguintes, Decreto n° 1.800/96), que, somadas, alcançam, na prática, 56 dias úteis.

Na fase de instrução, atribui-se 3 dias úteis para a expedição de notificação às partes interessadas, as quais têm 10 dias úteis para se manifestarem. Caso não seja a recorrente, a Procuradoria terá mais 10 dias úteis para se manifestar e devolver o processo à Secretaria-Geral. Por fim, o Presidente da Junta Comercial terá mais 3 dias para manifestar-se acerca do recebimento do recurso. Admitido o recurso, passa-se a fase de julgamento, a qual deve ser concluída em 30 dias úteis. Caso a próxima sessão ordinária disponível para julgamento exceda os 30 dias estipulados, a Secretaria-Geral deve solicitar ao Presidente a convocação de sessão extraordinária em benefício do prazo estabelecido5.

RECURSO AO DREI

Das decisões do Plenário da Junta Comercial, cabe recurso ao DREI, o qual também é divido em fase instrução e julgamento (artigo 47, LRPEM). A petição do recurso, dirigida ao Presidente da Junta Comercial, após ser protocolizada, será encaminhada à Secretaria-Geral para autuação, registro e notificação das partes interessadas, no prazo de 3 dias úteis. As partes terão então 10 dias úteis para apresentar contrarrazões. (artigo 69, Decreto n° 1800/1996)

Depois de recebidas as contrarrazões ou o término do prazo para manifestação, a Secretaria-Geral enviará o processo à Procuradoria, caso esta não seja a parte recorrente, para que se manifeste no prazo de 10 dias úteis, retornando-o à Secretaria-Geral. Recebido o parecer da Procuradoria, a Secretaria Geral certificará nos autos e submeterá o processo ao Presidente da Junta, que deverá, nos 3 dias úteis subsequentes, decidir sobre o recebimento do recurso e a concessão, ou não, de efeito suspensivo. Admitido o recurso, o Presidente da Junta Comercial deverá encaminhá-lo ao DREI, que proferirá a decisão final em até 10 dias úteis. Caso haja pedidos de diligência após o envio do processo ao DREI, os prazos mencionados serão suspensos.

Destaca-se, ainda, que prazo para interposição tanto do recurso ao Plenário quanto ao DREI é de 10 dias úteis, contados a partir do primeiro dia útil subsequente à ciência do interessado ou da publicação do despacho, sendo considerado o que ocorrer por último (artigo 50, LRPEM).

CONCLUSÃO

A problemática das exigências das Juntas Comerciais, portanto, pode ser contornada pelas próprias vias administrativas do órgão ou do DREI, o que, por vezes, representa uma solução prática e célere para o dia a dia societário. Nenhuma das opções recursais elencadas acima, no entanto, impedem a propositura de ação para pleitear a correção e/ou reparação por qualquer irregularidade na atuação das Juntas Comerciais (princípio da inafastabilidade jurisdicional, artigo 5°, XXXV, Constituição Federal), sendo que nesta hipótese, a competência da ação será da Justiça Federal, pelo fato de as Juntas Comerciais serem autarquias federais.

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Alessandra Denissa Koyama

João Vitor Calabuig Chapina Ohara

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