Novas Regras para Ofertas Públicas de Aquisição de Ações no Brasil: Resoluções CVM 215 e 216  

Lucas F. G. Bento

No dia 29 de outubro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou as Resoluções CVM nº 215 e nº 216, promovendo a mais significativa reforma nas normas relacionadas às Ofertas Públicas de Aquisição de Ações (OPAs) em mais de duas décadas. Essas resoluções, que entram em vigor em 1º de julho de 2025, visam modernizar o regime aplicável às OPAs, simplificando os procedimentos, reduzindo custos e garantindo maior eficiência e segurança jurídica ao mercado de capitais brasileiro.

A nova norma, alinhada a outras legislações, como a Resolução CVM 160, traz mudanças significativas que visam simplificar processos, reduzir custos regulatórios e reforçar a segurança jurídica no mercado de capitais. Este artigo detalha as principais alterações introduzidas, seus impactos no ambiente de negócios e as novas obrigações impostas aos ofertantes e intermediários.

O que são as OPAs e a relevância das mudanças?

As OPAs são mecanismos que permitem a aquisição de ações de companhias abertas por meio de uma oferta pública, em que o ofertante comunica aos acionistas sua intenção de adquirir parte ou a totalidade das ações em circulação, especificando as condições da transação. Elas são cruciais para operações de aquisição de controle, fechamento de capital ou reestruturações societárias.

A Resolução CVM 215 responde a necessidades frequentes do mercado, como maior previsibilidade em casos de cancelamento de registro, fusões ou aquisições de controle. Além disso, ela amplia as ferramentas para dispensar requisitos burocráticos em situações onde a operação é amplamente acordada pelos agentes envolvidos.


Objetivos centrais da Resolução CVM 215

Entre os objetivos principais, destacam-se:

1. Maior simplicidade e celeridade processual: a norma busca reduzir a burocracia, com a criação de registros automáticos para OPAs facultativas e flexibilização de requisitos em situações específicas.

2. Redução de custos regulatórios: ao eliminar exigências redundantes e automatizar certas dispensas, a resolução torna o processo mais acessível.

3. Harmonização com outros regulamentos: a Resolução CVM 215 está alinhada com a Resolução CVM 160, trazendo maior uniformidade regulatória no tratamento das ofertas públicas.

4. Transparência e equidade: a norma reforça o equilíbrio entre os interesses de acionistas controladores, minoritários e potenciais adquirentes.

Principais alterações trazidas pela Resolução CVM 215

1. Classificação e registro das OPAs

A resolução redefine o regime de registros aplicável às OPAs:

– OPAs obrigatórias (como para cancelamento de registro ou alienação de controle) exigem registro ordinário.

– OPAs facultativas (voluntárias ou decorrentes de regulamentos de listagem) geralmente se enquadram no registro automático, salvo quando envolvem permutas de valores mobiliários.

Esse novo sistema busca agilizar processos para ofertas de menor complexidade, sem comprometer a proteção dos investidores.

2. Laudos de avaliação: maior rigor e dispensas específicas

Requisitos para os avaliadores

A Resolução CVM 215 estabelece critérios mais detalhados para os responsáveis pelos laudos de avaliação, incluindo:

Experiência mínima: elaboração de ao menos três laudos de companhias abertas nos últimos 10 anos.

Independência: o avaliador deve demonstrar que não possui conflitos de interesse que prejudiquem sua objetividade.

Atualização dos laudos

Sempre que fatos relevantes alterarem significativamente o valor da companhia-alvo, o ofertante é obrigado a:

1. Atualizar o laudo existente.

2. Contratar novo laudo (caso tenha sido dispensado).

3. Informar justificadamente à CVM que o preço permanece atualizado.

Dispensa de laudos

A norma também flexibiliza as exigências, dispensando laudos em situações como:

– Transações realizadas nos últimos 12 meses envolvendo mais de 20% do capital social da companhia.

– Base em cotações de mercado de ações negociadas em ao menos 95% dos pregões do período.

Essas dispensas objetivam diminuir custos em casos onde o preço já reflete valores justos amplamente aceitos.

3. Intermediação e garantias financeiras

Funções dos intermediários

A resolução divide as obrigações dos intermediários em:

1. Garantia de liquidação financeira da OPA e pagamento do preço de compra.

2. Demais obrigações de intermediação, como comunicação com acionistas e execução de operações no leilão.

Para a liquidação financeira, é obrigatória a contratação de instituição financeira, salvo exceções específicas, como quando o ofertante oferece outras garantias (e.g., seguro ou depósitos vinculados).

4. Dispensa de leilões

A Resolução CVM 215 permite dispensar o leilão em duas situações principais:

Quando a OPA se destina a menos de 100 acionistas.

Quando os custos do leilão ultrapassam 10% do valor total da oferta.

Essa flexibilização é revertida se houver interferência de terceiros no leilão ou uma oferta concorrente.

5. Quórum e unificação de OPAs

Cancelamento de registro

Para o cancelamento de registro, o quórum mínimo é de adesão de 2/3 das ações em circulação. No entanto, em casos de companhias com baixo free float (menos de 5%), o quórum pode ser reduzido para maioria simples.

Além disso, a norma permite unificar OPAs para cancelamento de registro com OPAs de aquisição de controle, desde que atendidos certos critérios.

Aquisição de controle

Nas OPAs para aquisição de controle, novas regras garantem maior transparência sobre os termos da transação, incluindo divulgação das cláusulas contratuais relacionadas ao preço e condições de pagamento.

6. Prazo de prescrição para reclamação de valores de squeeze-out

Uma inovação importante foi a fixação do prazo de 10 anos para investidores reclamarem valores relacionados ao squeeze-out (compra compulsória de ações remanescentes em circulação quando menos de 5% do capital social está disponível no mercado).

Prazos ajustados

A Resolução CVM 215 introduziu alterações significativas nos prazos para diferentes etapas das OPAs:

– O prazo para realização de leilões foi reduzido de 30 para 20 dias.

– A liquidação das ofertas pode ser estendida até 10 dias úteis após o leilão, desde que justificada no instrumento da OPA.

Esses ajustes visam equilibrar a celeridade com a necessidade de organização e execução eficiente das operações.

Transparência e publicidade

Materiais publicitários

A norma permite a divulgação de materiais publicitários desde o lançamento da OPA, com a condição de que sejam encaminhados à CVM em até um dia útil após sua publicação. Essa medida visa ampliar a transparência, mantendo o controle regulatório.

Sigilo

Pedidos de sigilo sobre informações relacionadas às OPAs devem ser fundamentados pela Lei de Acesso à Informação, incluindo justificativas detalhadas sobre como a divulgação poderia impactar a competitividade.

Impactos no mercado e perspectivas futuras

A Resolução CVM 215 representa um marco importante na regulação das OPAs no Brasil. Suas inovações trazem benefícios claros para o mercado, como:

– Maior previsibilidade jurídica: ao detalhar critérios de dispensa e requisitos para laudos e intermediários.

– Redução de custos: dispensando leilões e laudos em condições apropriadas.

– Eficiência operacional: com registros automáticos e prazos mais curtos.

Ao mesmo tempo, a norma impõe novos desafios, como a necessidade de maior rigor técnico para avaliadores e maior atenção às obrigações de atualização de laudos e garantias financeiras.

A expectativa é que essas mudanças fortaleçam a confiança dos investidores no mercado brasileiro, incentivando novos negócios e transações mais dinâmicas e transparentes.

Com essa ampla reforma, a CVM reafirma seu compromisso com a modernização regulatória, buscando equilibrar eficiência operacional, proteção ao investidor e desenvolvimento do mercado de capitais. A Resolução CVM 215 já é considerada um passo significativo nessa trajetória de evolução.

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