Captação de recursos para startups:  CICC como alternativa ao Mútuo Conversível

Thales Vieira Dias

Startups e a necessidade de financiamento

Já é conhecimento comum e difundido a importância das startups para o mercado atual, marcado por uma economia moderna, em que a inovação de mercados estabelecidos é fundamental para o sucesso. No Brasil, especialmente, o cenário ganhou ainda mais força e relevância com a regulamentação específica pela Lei Complementar n° 182, de 1° de junho de 2021, que instituiu o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador. Baseado no reconhecimento da inovação como potencializador do desenvolvimento econômico, social e ambiental, o marco veio a fim de fomentar a liberdade contratual e segurança jurídica2, em um conjunto de reformas legislativas, como a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica3 e Lei do Ambiente de Negócios4.

Entretanto, apesar de um ambiente jurídico (teoricamente) favorável, econômica e financeiramente as coisas não acontecem da mesma forma para as startups. Conforme divulgou o MIT Technology Review5, a maior dificuldade entre empreendedores de startups é a obtenção de recursos financeiros, seja na estruturação, no escalonamento ou na continuidade das atividades. Apesar dos casos de sucesso internacionais como Amazon, Google, Microsoft, Apple, Uber e Airbnb, é de se questionar (e impossível de responder) quantas ideias inovadoras e disruptivas deixaram de ser implementadas no mercado por problemas financeiros.

Diante desse contexto, ganham suma importância os instrumentos jurídicos de captação investimento, ou seja, os meios pelos quais é contratado, por um lado, a captação do recurso financeiro e, do outro, uma promessa de participação societária futura ou a devolução da quantia atualizada e com remuneração. Neste contexto, o presente texto tem como objetivo discutir o principal instrumento utilizado no mercado brasileiro, o contrato de mútuo conversível em participação societária, bem como o CICC, uma novidade trazida pelo Projeto de Lei Complementar nº 252, de 2023.

Conversible Notes e o Mútuo Conversível

O contrato de mútuo conversível em participação societária é, com grandes chances, o instrumento jurídico mais utilizado no Brasil quando se fala de investimento em startups. Em suma, o instrumento foi derivado das Conversible Notes e adaptado à realidade brasileira, entretanto, distorcendo parte de seus objetivos e de seu princípio de funcionamento6.

As Conversible Notes têm origem nos Estados Unidos e preveem funcionamento bem direto e sistematizado, com uma estrutura rígida resumida em quatro cláusulas principais: (i) taxa de juros, (ii) data de vencimento, (iii) desconto no valor da ação e (iv) cap de valuation. Ou seja, o instrumento foi concebido para uma negociação célere e um investimento desburocratizado, o que não foi completamente priorizado pela sua versão abrasileirada.

O Mútuo Conversível nada mais é do que um contrato de empréstimo, no qual, ao fim do prazo estipulado (seja um prazo determinado ou a ocorrência de um evento, como uma nova rodada de investimentos), o investidor há de receber o dinheiro emprestado, atualizado monetariamente e com os juros estipulados no contrato, acrescidos sob juros de mora, caso a empresa atrase o pagamento. Ao vencimento, o investidor tem a faculdade de deixar o dinheiro na startup e convertê-lo em participação societária.

Entretanto, perdeu-se a estrutura rígida e direta, uma vez que o instrumento é consideravelmente mutável e personalizável, sendo possível adaptá-lo conforme as negociações com cada investidor e as circunstâncias concretas do negócio, prevendo uma série de obrigações acessórias às partes, o que traz mais segurança ao investidor.

Nesse sentido, o Mútuo Conversível tem natureza de dívida e deve ser tratado, pela startup, como um passivo. Por isso, caso haja a inadimplência por parte da startup, por qualquer mal-estar ou dificuldade financeira, o investidor é capaz de executar o contrato judicialmente, sendo este título executivo extrajudicial, e forçar constrições contra a empresa investida.

Por último, sobre o Mútuo Conversível, cabe citar a recente decisão do STF no Recurso Extraordinário n° 590.186, onde foi reconhecida repercussão geral e fixada tese através do Tema 1047. Na visão da Suprema Corte, o mútuo de recursos financeiros não se esquiva da caracterização de operação de crédito, uma vez que tem a finalidade de se obter recursos a serem restituídos no futuro, e a função arrecadatória do tributo se sobrepõe à regulatória, abrangendo além de somente as instituições financeiras. Portanto, fixou-se a tese pela “incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras.”8

Contrato de SAFE e CICC

O SAFE (Simple Agreement for Future Equity) nada mais é do que um acordo para aquisição de participação, no futuro, em uma próxima rodada de investimentos ou evento de liquidez definido entre investidor e startup. Basicamente, o SAFE é uma promessa ao investidor de que ele receberá uma participação no futuro, quando uma próxima rodada de investimos precificada for realizada ou ocorrer algum evento de liquidez estipulado. Como essa participação será calculada, depende do tipo de SAFE. O instrumento foi concebido nos Estados Unidos, para a jurisdição americana, e pode ser de duas espécies: post-money e pre-money.

O pre-money SAFE e o post-money SAFE diferenciam-se pelo momento em que o valor da startup é considerado para calcular a participação do investidor. No pre-money SAFE, a participação é calculada com base no valor da startup antes da entrada do novo investimento, o que pode levar a uma diluição maior do percentual do investidor caso ocorram novos aportes, o que oferece menos previsibilidade para o investidor9. Já no post-money SAFE, a participação é definida mediante o investimento aportado e o cap valuation após somar o valor arrecadado na rodada atual, proporcionando ao investidor uma porcentagem fixa e mais previsível, pois considera o valor total da empresa após o investimento recebido. Assim, um investidor que oferece R$ 1.000.000,00 com um cap de R$ 10.000.000,00 sabe que terá, no mínimo, 10% de participação10.

Nesse cenário, em uma tentativa de adaptar o contrato de SAFE à realidade brasileira, foi criado o CICC (Contrato de Investimento Conversível em Capital Social) em que, diferentemente do Mútuo Conversível, há a transferência dos recursos em troca de uma futura subscrição de ações ou quotas. Dessa forma, tal como o SAFE, o CICC não é considerado passivo dentro da startup, mas sim um instrumento patrimonial11.

Recentemente, o Projeto de Lei Complementar nº 252, de 2023, foi aprovado no Plenário do Senado Federal e direcionada à votação na Câmara dos Deputados. A referida Lei pretende alterar o Marco Legal das Startups para instituir, expressamente, o CICC. Caso aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo Presidente da República, o CICC passaria a ser contrato típico no ordenamento jurídico brasileiro, o que o garantiria ainda mais previsibilidade e segurança jurídica ao instrumento contratual.

Nesse caso, só há a incidência do IR se o investidor alienar o CICC em si ou a participação societária decorrente do contrato, caso exista ganho de capital, de modo que eventual ágio na conversão do CICC teria efeitos meramente contábeis, não tributários12. Ainda, é a compreensão do autor de que não há a incidência de IOF sobre as operações com CICC, tal como no caso do Mútuo Conversível, justamente pela sua natureza patrimonial e não de empréstimo de recursos financeiros, viés esse alinhado com o entendimento que foi positivado recentemente pelo STF e sua ótica de análise.

Conclusão

Em suma, diante de todo o exposto, é imperativo apontar que existem diferenças fundamentais entre os contratos aqui abordados:

Para startups que já estão em uma fase mais avançada, com maior previsibilidade financeira e possibilidade de atrair investidores institucionais, o Mútuo Conversível pode ser uma alternativa viável. Esse instrumento, por ter natureza de dívida e permitir maior flexibilidade contratual, pode ser interessante para investidores que desejam ter mais segurança jurídica quanto ao retorno do investimento, ao mesmo tempo em que mantém a possibilidade de conversão em participação societária.

Para startups em estágio inicial, que ainda não possuem valuation bem definido ou geração de receita consolidada, o CICC apresenta-se como uma alternativa mais vantajosa. Isso porque ele não cria passivo para a empresa e permite captar recursos sem a obrigação de reembolso, garantindo maior fôlego financeiro para o desenvolvimento do negócio. Esse modelo é mais adequado para rodadas iniciais de investimento (pre-seed e seed).

Ao decidir o instrumento jurídico que viabilizará o aporte dos recursos, deve-se levar em conta todas as circunstâncias da empresa e do investidor. Mas, cabe lembrar que as startups não atuam como uma instituição financeira e nem devem ser idealizadas dessa forma. A lógica dos contratos de investimento não é emprestar dinheiro a fim de ter o retorno do capital investido, mas sim adquirir participação no negócio.

Referências

2 BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Novo Marco Legal das Startups e o desenvolvimento da inovação no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2022/10/novo-marco-legal-das-startups-e-o-desenvolvimento-da-inovacao-no-brasil. Acesso em: 12 fev. 2025.

3 BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7. Acesso em: 12 fev. 2025

4 BRASIL. Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021. Dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, proteção de acionistas minoritários, facilitação do comércio exterior, entre outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14195.htm. Acesso em: 12 fev. 2025.

5 MIT TECHNOLOGY REVIEW BRASIL. O impacto do financiamento na trajetória das startups. Disponível em: https://mittechreview.com.br/o-impacto-do-financiamento-na-trajetoria-das-startups/#:~:text=Ao%20escalar%20a%20startup%2C%20a,segue%20como%20um%20obst%C3%A1culo%20cr%C3%ADtico. Acesso em: 12 fev. 2025.

6 BAPTISTA LUZ ADVOGADOS. Mútuo conversível (convertible notes): diferenças fundamentais. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/espacostartup/mutuo-conversivel-convertible-notes-diferencas-fundamentais/. Acesso em: 12 fev. 2025.

7 https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=2628566&numeroProcesso=590186&classeProcesso=RE&numeroTema=104

8 https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=515476&ori=1

9 PULLEY. Pre-money SAFE vs. post-money SAFE. Disponível em: https://pulley.com/guides/pre-money-safe-vs-post-money-safe. Acesso em: 12 fev. 2025.

10 CARTA. Pre-money vs. post-money SAFEs. Disponível em: https://carta.com/learn/startups/fundraising/convertible-securities/pre-money-vs-post-money-safes/. Acesso em: 12 fev. 2025.

11 CEPEDA LAW. Senado Federal aprova novo modelo de contrato para investimento em startups. Disponível em: https://cepeda.law/senado-federal-aprova-novo-modelo-de-contrato-para-investimento-em-startups/. Acesso em: 12 fev. 2025.

12 BAPTISTA LUZ ADVOGADOS. Contrato de investimento para startups: o que muda na prática. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/espacostartup/contrato-de-investimento-para-startups-o-que-muda-na-pratica/. Acesso em: 12 fev. 2025.

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