INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E MERCADO DE CAPITAIS 

João Vítor Lopes Cunha

Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem conquistado um espaço cada vez maior no dia a dia das pessoas. Com a evolução da IA generativa e a popularização de modelos como o ChatGPT, sua capacidade de impactar os mais diversos setores da sociedade foi potencializado, intensificando a necessidade de adaptação para acompanhamento dessas rápidas transformações. No Mercado de Capitais, o cenário não é diferente. As formas avançadas de IA oferecem um amplo leque de oportunidades para sua utilização por instituições e profissionais do setor, desde a otimização de processos e ganho de eficiência até o aprimoramento de produtos e de análises de risco.

Diante desse cenário, o presente artigo busca apresentar o cenário da utilização das IAs no Mercado de Capitais, explorando como essas inovações podem impactar as práticas do setor.

O QUE SÃO IAS GENERATIVAS E POR QUE ELAS SÃO TÃO RELEVANTES PARA O IMPACTO ATUAL DAS IAS?

Primeiramente, inteligência artificial, de acordo com o criador do termo (John McCarthy), é “a ciência e engenharia de produzir sistemas inteligentes”1. Trata-se da capacidade de dispositivos eletrônicos replicarem o pensamento humano na execução de tarefas complexas, utilizando técnicas como métodos estatísticos, algoritmos determinísticos, machine learning, redes neurais e grandes modelos de linguagem.

Inicialmente, a IA tinha um caráter analítico, realizando tarefas classificatórias e preditivas convencionais. No entanto, com o avanço da tecnologia, surgiu a IA Generativa capaz de analisar e criar conteúdos complexos e multimodais em texto, imagem e áudio. Diferentemente das IAs analíticas, os modelos generativos são treinados com volumes de dados significativamente maiores, muitas vezes utilizando os trilhões de tokens de dados digitais criados pelas décadas de internet. Além disso, essas IAs podem interagir por meio da linguagem natural humana, o que facilita sua adoção e popularização.

Com a chegada da IA Generativa, não apenas se ampliaram os usos convencionais, como também surgiram novas aplicações, impulsionadas principalmente por três fatores: (i) a maior eficiência na análise de informações menos estruturadas em texto, imagem e áudio (que representam 90% dos dados corporativos2); (ii) a popularização do acesso, que deixou de ser restrito aos profissionais de TI, permitindo que qualquer pessoa interaja com interfaces em linguagem natural humana; e (iii) a capacidade da IA de executar tarefas para as quais não foi especificamente treinada, sendo eficaz na classificação de novos conceitos mesmo com poucos ou nenhum exemplo prévio semelhante.3

No Mercado Financeiro, a IA Generativa vem sendo aplicada para aprimorar análises e otimizar as tomadas de decisão. Um exemplo disso é o BloombergGPT, lançado em 2023, um modelo treinado especificamente para interpretar relatórios financeiros, notícias e tendências de mercado, auxiliando investidores de forma mais ágil e precisa. Outro exemplo é o AI@MS Assistant, desenvolvido pela Morgan Stanley em parceria com a OpenAI, utilizada pelos assessores financeiros no fornecimento de informações internas rapidamente, tornando o atendimento aos clientes mais eficiente. Essas inovações ajudam a ilustrar um pouco de como a IA Generativa pode transformar o Mercado de Capitais.

IMPACTOS DA IA NO MERCADO DE CAPITAIS

A IA em geral tem revolucionado diversos setores da economia, e o Mercado de Capitais não é exceção. A adoção de IA, especialmente a IA Generativa, pode transformar a forma como as instituições financeiras operam, desde a análise de dados até a execução de negociações e gestão de riscos. De acordo com o McKinsey Global Institute, estima-se que a oportunidade anual de valor que a IA pode gerar no setor bancário varia entre US$ 200 bilhões e US$ 340 bilhões, enquanto no Mercado de Capitais, a expectativa é de um incremento anual de até US$ 30 bilhões4.

Primeiramente, deve-se afirmar que a IA já demonstra capacidade para atuar como um profissional do Mercado Financeiro e de Capitais. Uma pesquisa do JPMorgan Chase & CO revelou que o GPT-4, da OpenAI, tem uma chance decente de ser aprovado nos exames CFA Nível I e II. Em adição, a IA superou analistas humanos na interpretação de demonstrações financeiras e na previsão do desempenho futuro de uma empresa, atingindo uma precisão de 60% em questões nas quais profissionais da área costumam ficar próximos dos 50%, conforme pesquisa da Escola de Negócios Booth, da Universidade de Chicago5.

Uma das principais aplicações da IA no Mercado de Capitais está na análise e precificação de ativos. Modelos avançados de redes neurais e processamento de linguagem natural permitem o monitoramento contínuo de padrões de comportamento do mercado, bem como a interpretação de notícias financeiras, relatórios corporativos, indicadores econômicos e outros dados textuais, incorporando conhecimentos subjetivos ao processo analítico. Com isso, a IA aprimora a precisão das previsões e otimiza a precificação de ativos de forma mais eficiente, possibilitando que investidores e gestores tomem decisões mais fundamentadas e orientadas por dados.

A avaliação de liquidez de mercado em condições extremas também é um dos grandes desafios enfrentados pelos profissionais do setor, especialmente porque métodos estatísticos tradicionais falharam em prever corretamente crises financeiras passadas. A IA surge como uma alternativa mais robusta, utilizando modelos avançados que integram dados de mídias sociais, históricos de transações e outros indicadores não convencionais. Assim, pode-se melhorar a previsão de risco de liquidez durante períodos econômicos adversos.

Além disso, o uso da IA pode potencializar estratégias de negociação, especialmente no High-Frequency Trading. Modelos avançados de deep learning, que sejam capazes de capturar dependências de longo prazo e explorar processamento paralelo, oferecem desempenho superior ao processar grandes volumes de dados em tempo real. Essa capacidade aprimora a previsão de séries temporais de alta frequência, permitindo a execução automatizada de ordens com precisão e velocidade, maximizando a eficiência das operações, ao minimizar erros humanos, e proporcionando vantagem competitiva no mercado.

A IA também tem se mostrado uma ferramenta poderosa na melhoria da experiência do investidor. Ferramentas baseadas em IA Generativa possibilitam a personalização de serviços financeiros, fornecendo recomendações customizadas e atendimento automatizado por meio de chatbots avançados. Isso melhora o engajamento dos clientes e otimiza processos como onboarding e suporte técnico. A capacidade de compreender as necessidades individuais dos investidores e oferecer soluções adaptadas representa um diferencial competitivo para instituições financeiras que buscam inovação e eficiência.

DESAFIOS E RISCOS DA UTILIZAÇÃO DA IA GENERATIVA

Apesar das diversas possibilidades de melhorias e avanços no Mercado de Capitais, o uso de IAs ainda apresenta desafios que impõem riscos a aspectos fundamentais do setor, como transparência e confiança. Um dos principais problemas das IAs Generativas é a forte dependência da qualidade dos dados de treinamento. Caso os dados de entrada contiverem distorções ou padrões tendenciosos, essas falhas podem ser replicadas nos resultados gerados. Além disso, muitos modelos, como o ChatGPT, apresentam respostas com aparente autoridade, mesmo quando não incorretas, tornando mais difícil compreender como determinado resultado foi produzido e identificar informações imprecisas ou incorretas.

Os riscos relacionados à segurança e privacidade também figuram entre os principais desafios. Modelos capazes de se autoalimentar com os dados fornecidos pelos usuários, por meio de seus comandos, apresentam risco de exposição de informações privadas ao domínio público. Ainda, novos modelos podem apresentar vulnerabilidades, tornando-se suscetíveis a ataques cibernéticos e manipulações.

Além dos riscos técnicos e operacionais, a adoção da IA Generativa também impõe riscos mais tangíveis. O uso em larga escala dessa tecnologia demanda um hardware especializado, elevando significativamente os custos de processamento na nuvem. Para se ter uma ideia, apenas o treinamento do modelo GPT-4 custou à OpenAI cerca de US$ 78,4 milhões, enquanto o Google investiu aproximadamente US$ 191,4 milhões no treinamento do Gemini Ultra6. Além disso, a automação impulsionada pela IA pode levar à redução ou transformação de diversas funções no setor de Mercado de Capitais, impactando diretamente a oferta de empregos no setor.

REFERÊNCIAS

1 BARBOSA, Lucia Martins; PORTES, Luiza Alves Ferreira. A Inteligência Artificial. Revista Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, nº 236, p. 16-27, jan./mar, 2019. Disponível em: . Acesso em: 16 de mar. 2025.

2 TROMANS, James. How Capital Markets Can Prepare For The Future With AI. Forbes, 09 de mar. 2021. Innovation. Disponível em: . Acesso em: 16 de mar. 2025.

3 ANBIMA. Deep Dive: Inteligência Artificial nos Mercados Financeiro e de Capitais. Anbima, 30 de out. 2024. Notícias. Disponível em: . Acesso em: 16 de mar. 2025.

4 KAMALNATH, Vishnu; LERNER, Larry; MOON, Jared; SARI, Gökhan; SOHONI, Vik; ZHANG, Shuo.Capturing the full value of generative AI in banking. McKinsey & Company, 05 de dez. 2023. Our Insights. Disponível em: . Acesso em: 16 de mar. 2025.

5 ANBIMA. Deep Dive: Inteligência Artificial nos Mercados Financeiro e de Capitais. Anbima, 30 de out. 2024. Notícias. Disponível em: . Acesso em: 16 de mar. 2025.

6 STANFORD UNIVERSITY HUMAN-CENTERED ARTIFICIAL INTELLIGENCE. Artificial Intelligence Index Report 2024. Stanford, 2024. Disponível em: . Acesso em: 16 de mar. 2025.

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