Emissão de Debêntures: análise jurídica das mudanças trazidas pela Lei n° 14.711/2023 e pela Resolução CVM n° 226/2025 

João Vitor Calabuig Chapina Ohara e Thales Vieira Dias
João Vitor Calabuig Chapina Ohara e Thales Vieira Dias

Introdução 

As debêntures são valores mobiliários emitidos por sociedades por ações que conferem aos seus titulares direitos de crédito contra a companhia emissora. No mercado empresarial, esses títulos desempenham um papel estratégico, sendo uma alternativa relevante para a captação de recursos pelas empresas. 

O processo de emissão de debêntures passou por mudanças significativas com a promulgação da Lei nº 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, cujo objetivo foi flexibilizar e simplificar os procedimentos relacionados a esses instrumentos. Complementando essa legislação, a Resolução CVM nº 226/2025, em vigor a partir de 10 de março de 2025, trouxe regulamentações específicas para debêntures emitidas por companhias abertas e para aquelas ofertadas ao público. 

Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo analisar as principais alterações promovidas por essas normativas, com ênfase nos impactos sobre o processo de emissão e registro de debêntures. A partir dessa análise, busca-se compreender os avanços e desafios decorrentes das novas regras. 

Alterações Promovidas pela n° Lei 14.711/2023. 

A Lei nº 14.711/2023 introduziu mudanças relevantes na Lei n° 6.404/1976 (“LSA”) acerca do regime jurídico das debêntures disciplina, com o objetivo de modernizar e tornar mais eficiente a captação de recursos por meio desses instrumentos. Dentre as principais alterações, destacam-se a possibilidade de desmembramento do valor mobiliário (art. 59, inciso VIII, da LSA), a emissão por deliberação da administração (art. 59, §1°, da LSA) e a simplificação do sistema de registro, arquivamento e publicação dos instrumentos (art. 62 da LSA). 

 Desmembramento das Debêntures 

Uma das inovações trazidas pela nova legislação foi a introdução da possibilidade de desmembramento das debêntures. Esse mecanismo permite que uma única debênture seja fracionada em diferentes títulos, representando direitos e obrigações distintos, o que pode aumentar sua liquidez e atratividade no mercado secundário. 

O desmembramento possibilita, por exemplo, a separação dos direitos creditórios do investidor em diferentes componentes, como o principal e os juros, permitindo a negociação isolada de cada parcela. Essa medida facilita a adaptação das debêntures a diferentes perfis de investidores e pode estimular a diversificação das estratégias de financiamento das companhias emissoras. 

Possibilidade de Emissão pela Administração 

Outra inovação relevante introduzida pela Lei nº 14.711/2023 foi a ampliação da competência da administração das companhias para deliberar sobre a emissão de debêntures. Antes da reforma, essa decisão era, via de regra, atribuição da Assembleia Geral de Acionistas, exceto no caso das companhias abertas, que poderiam delegá-la ao Conselho de Administração, desde que previsto no estatuto social. 

Com a nova norma, tanto as companhias abertas quanto as fechadas podem autorizar, por meio do estatuto social, que a emissão de debêntures seja deliberada diretamente pelo Conselho de Administração ou pela Diretoria, conforme o caso. Essa mudança reduz a burocracia e o tempo necessário para emissão, tornando o procedimento mais ágil, flexível e acessível para as empresas, de modo a facilitar o processo de captação de recursos. 

Sistema de Registro, Arquivamento e Publicação  

A alteração mais relevante trazida pela Lei nº 14.711/2023 se refere aos processos de registro, arquivamento e publicação dos atos referentes a emissão das debêntures. Até a edição do diploma legal, a emissão de uma debênture dependia: (i) do arquivamento, no registro do comércio, e publicação, em jornais de grande circulação, do ato societário que deliberasse pela emissão; (ii) da inscrição da escritura de emissão no registro de comércio; (iii) da manutenção de livros especiais para a inscrição das emissões de debêntures. 

  Com o intuito de agilizar o processo de emissão e diminuir os custos atrelados, a nova norma dispensa a necessidade de publicação dos atos societários em jornais, delegando a disciplina da publicação de tais atos à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para as companhias abertas, e ao Poder Executivo federal, para as companhias fechadas. Até o momento, apenas a CVM disciplinou a matéria por meio da Resolução CVM nº 226/2025, enquanto a regulamentação para companhias fechadas ainda permanece indefinida.  

Além disso, a exigência de inscrição da escritura de emissão no registro do comércio foi suprimida, assim como a necessidade de manutenção de livro especial para controle das debêntures emitidas. Com essa flexibilização, a titularidade das debêntures pode agora ser gerida diretamente por sistemas próprios da companhia emissora, por instituições escrituradoras ou por depositárias, proporcionando maior eficiência e dinamismo ao processo de emissão. 

Mudanças da Resolução CVM n° 226/2025 

A Resolução CVM n° 226/2025, publicada em 06 de março de 2025, trouxe alterações em diversas outras resoluções estruturantes ao mercado de capitais e de valores mobiliários, tais como as Resoluções CVM n° 60; n° 80; n° 88; e n° 160, que regulamentam e especificam as respectivas novas regras de registro, arquivamento e publicação dos atos e documentos relacionados à emissão de debêntures. 

Sistema de Registro, Arquivamento e Publicação dos Atos Societários  

Em relação à CVM ° 60/2021, a CVM 226 conferiu novo inciso e parágrafo ao artigo 52, a fim de prever a necessidade de a companhia securitizadora disponibilizar, em seu próprio sistema eletrônico, a ata da reunião de diretoria ou do conselho de administração que deliberou pela emissão das debêntures, em até 7 dias de sua realização. 

Com a CVM 226, foi introduzido, à CVM n° 080/2022, novo inciso ao art. 33 e adicionado o § 8°, além de novo inciso ao art. 34 e nova redação ao seu § 4°. O novo inciso V-A dos artigos 33 e 34 passou a prever a necessidade dos emissores de debêntures registrados na categoria A e B enviarem à CVM, pelo sistema eletrônico próprio da autarquia, atos que formalizem deliberações tomadas pela diretoria sobre emissão de debêntures, em até 7 dias úteis contados de sua realização.  

No tocante à CVM n°160 e seu artigo 89, as alterações vieram para prever, ao emissor, a obrigação de divulgar em seu próprio site os atos societários de emissões de debêntures. Não obstante, a nova redação do § 3° adiciona a previsão de que as informações e documentos da emissão devem ser divulgados, também, no sistema eletrônico da CVM, além das duas hipóteses anteriores.  

Em todos esses casos, a Autarquia incluiu e/ou alterou parágrafos dos respectivos dispositivos, em cada uma das Resoluções, a fim de que se considere atendido o disposto no art. 62, § 5º, da Lei nº 6.404, de 1976, quando o emissor das debêntures enviar à CVM, por meio do sistema eletrônico da agência reguladora, tais atos societários que deliberem pela emissão das debêntures.  

Sistema de Registro, Arquivamento e Publicação da Escritura de Emissão  

Já na Resolução CVM n° 88/2022, a CVM 226 introduziu nova redação ao § 2º-A do art. 8º, unicamente para considerar atendido o disposto no art. 62, § 5º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com a apresentação, pela plataforma de investimento coletivo, de cópia da escritura de debêntures e de documento da sociedade empresária de pequeno porte que evidencie a aprovação da emissão dos valores mobiliários objeto da oferta pública. 

Por fim, no que concerne à CVM n°160, as alterações do artigo 89 também previram o dever, ao emissor, de disponibilizar em seu próprio sítio eletrônico a escritura de emissão de debêntures, além do envio via sistema eletrônico da CVM.  

Conclusão 

Portanto, é certo que o Marco Legal das Garantias desburocratizou e ampliou o acesso ao crédito via flexibilização da emissão de debêntures, divulgação, registro e arquivamento dos documentos da operação. Ao facultar a administração tal deliberação pela emissão, permitir o desmembramento desse valor mobiliário e, ainda, desburocratizar as etapas de registro e publicação, reduz-se os custos de transação e tais operações tornam-se mais atrativas ao mercado.  

Nesse sentido, a Resolução CVM 226/2025 tem o objetivo de adequar o mercado de capitais ao Marco Legal das Garantias e preencher as prerrogativas conferidas pelo legislador à CVM. Logo, foram especificados os meios de divulgação dos atos societários, da escritura de emissão e dos demais documentos da operação, em cada caso cabível, além da adequação das normas à nova possibilidade de desmembramento desses valores mobiliários.  

Cumpre lembrar que a presente regulamentação foi objeto de consulta pública da autarquia, o que reforça o compromisso da CVM em ouvir e entender o mercado, suas necessidades e visões a respeito dos temas a serem regulados, o que se materializou por meio da Consulta Pública SDM 02/2024. 

As medidas adotadas pela autarquia estão em linha com a Agenda Regulatória de 2025 divulgada em 11/12/2025, que tinha como um de seus objetivos flexibilizar as regras de emissão das debêntures e a facilitação do acesso ao crédito.  

Equipe relacionada

João Vitor C. C. Ohara

Thales Vieira

João Vitor C. C. Ohara

Thales Vieira