Considerações acerca da decisão do STF em suspender as ações que versem sobre pejotização 

Marcela Reino Mori

Introdução 

No dia 14 de abril, o Ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre as questões relacionadas ao Tema 1.389, até o julgamento definitivo do Recurso Extraordinário 1.532.603. O Tema irá definir a competência e o ônus da prova nas ações que discutem a existência de fraude no contrato de prestação de serviços e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou física, como trabalhador autônomo, por meio de contrato de prestação de serviços.  

Tão logo proferida, a decisão passou a ser amplamente discutida por magistrados e operadores do direito. Dentre os pontos de discussão levantados destacam-se a preocupação com a usurpação da competência da Justiça do Trabalho; a abertura de margem para fraudes trabalhistas; e os prejuízos que podem resultar da suspensão dos processos. 

O presente artigo possui como objetivo esclarecer, a partir de uma contextualização da evolução jurisprudencial acerca da pejotização, qual foi a motivação por trás da decisão do Ministro Gilmar Mendes na suspensão dos processos relacionados ao tema da pejotização e quais são os principais pontos de atenção relacionados ao tema. 

Breve contextualização jurisprudencial  

O termo “pejotização” sempre foi utilizado majoritariamente para tratar de fraude à legislação trabalhista, com o objetivo de mascarar vínculo de emprego. Dessa maneira, quase que automaticamente, a Justiça do Trabalho invalidava o contrato de prestação de serviços e reconhecia o vínculo empregatício, sobretudo por constatar a existência de subordinação. 

O STF, no entanto, vem alterando consideravelmente as interpretações e as decisões sobre o tema. No julgamento conjunto da ADPF 324 e do RE 958.252, este último representativo do Tema 725 de repercussão geral, realizado em sessão plenária de 30/08/2018 sob relatoria do Ministro Luiz Fux, o STF decidiu pela licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, e qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, com a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.  

No julgamento da ADC 48 e da ADI 3961, em 15/04/2020, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, o STF entendeu que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego regida pela CLT. Na Reclamação Constitucional 56.285, de 27.3.2023, também de relatoria do Ministro Barroso, entendeu serem lícitas outras formas de contratação, desde que o contrato seja real e não configure fraude, isto é, que não esteja mascarando uma típica relação de emprego, com subordinação.  

Na Reclamação 47.843, o STF, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, entendeu ser lícita a pejotização, esclarecendo não haver irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços. Durante o julgamento, o Ministro Barroso reiterou estar a licitude atrelada ao fato de que o caso não tratava de trabalhadores hipossuficientes, que dependem da proteção estatal ao vínculo de empregado, mas de hipersuficientes, que escolheram de forma esclarecida a prestação dos serviços via contrato pejotizado, inexistindo fraude.  

No âmbito da Justiça do Trabalho, o assunto é objeto do Tema 30 de Recursos Repetitivos do TST, o qual, recentemente, foi concluso para decisão em 11 de abril deste ano. No entanto, apesar de o TST vir reconhecendo a licitude da pejotização em algumas decisões, isso não se encontra pacificado e ainda gera grave insegurança jurídica, o que leva à última decisão do Ministro Gilmar Mendes, de suspensão de todos os processos que versem sobre a matéria.  

A decisão do Ministro Gilmar Mendes e o Tema 1.389 do STF 

O Recurso Extraordinário que deu origem ao Tema 1.389 do STF foi o interposto pelo reclamante no processo de número 0000262-33.2020.5.09.0014, proveniente do TRT da 9ª Região (TRT-9), do Estado do Paraná. O caso discutia um contrato de franquia, em que o reclamante alegava a fraude da contratação e pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício. O TST, aplicando as teses fixadas pelo STF em repercussão geral, restabeleceu a sentença de primeiro grau e declarou a licitude do contrato de franquia, excluindo o vínculo de emprego reconhecido em segundo grau.  

Nas razões recursais, o reclamante alegou que as teses fixadas pelo STF não seriam aplicáveis ao caso concreto, pois o que estaria sendo discutido seria a existência dos requisitos para a formação do vínculo empregatício, a ocultação de uma relação de emprego e, portanto, a violação aos artigos 2°, 3° e 9° da CLT, não a possibilidade e a licitude, por si só, de outras formas de contratação, como já definido pela Suprema Corte. 

Em decisão proferida em 12 de abril, o Ministro, por meio de decisão monocrática, tornou de conhecimento público que o Plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria, dando origem ao Tema 1.389, para apreciar a competência e o ônus da prova nas discussões relacionadas a fraudes nos contratos de prestação de serviços e a licitude de contratação nessa modalidade de pessoa jurídica ou de trabalhador autônomo.  

Para o Ministro, a apreciação em repercussão geral se faz necessária em razão do aumento expressivo do volume de processos que tem chegado ao STF sobre o tema, o que está ocorrendo, em sua perspectiva, pela “reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte sobre o tema”, o que está contribuindo para uma grande insegurança jurídica. Em razão disso, determinou a suspensão do processamento de todas as ações que versem sobre o tema em trâmite no território nacional, até o julgamento definitivo do Recurso Extraordinário.  

Considerações importantes 

Em um cenário em que a pejotização já se encontra consolidada na organização produtiva brasileira, a decisão do STF em analisar o tema e suspender as ações é de suma importância, uma vez que, atualmente, inexiste segurança jurídica sobre o tema.  

No entanto, é necessário dar ênfase a duas considerações importantes. A primeira, é em relação à suspensão em si, pois, apesar de conferir maior segurança jurídica ao tema, pode ser extremamente prejudicial caso a apreciação definitiva do Recurso Extraordinário demore, uma vez que os trabalhadores, cujas contratações foram efetivamente fraudadas, irão levar mais tempo para terem seus direitos trabalhistas, verbas de caráter alimentar, garantidos.  

A segunda se refere à separação necessária dos pontos centrais de debate. Não se pode confundir as discussões sobre a possibilidade de existirem outras formas lícitas de contratação além das de regime celetista, o que já restou permitido e pacificado pelo STF, com as de suspeitas de fraude à legislação trabalhista em casos concretos, nas quais deve ser avaliada a presença dos requisitos do vínculo empregatício do artigo 3° da CLT, principalmente os de subordinação e pessoalidade. É sobre esse último ponto que o STF irá decidir no Tema 1.389. 

Ao fixar a tese, é imprescindível que o STF faça essa diferenciação. Ao se discutir a competência para a apreciação de fraudes nos contratos de prestação de serviços, não se discute a possibilidade de se existirem outras formas de contratação, mas sim a presença dos requisitos do vínculo empregatício. 

Em razão do caráter vinculante das teses já fixadas pelo STF, é obrigação da Justiça do Trabalho respeitar a possibilidade de existência de outras formas de contratação. No entanto, por ser a Justiça especializada para isso e por possuir competência para o julgamento das ações oriundas de todas as relações de trabalho nos termos do artigo 114 da CF – não somente as de emprego –, não lhe deve ser retirada a competência para analisar os requisitos do vínculo empregatício em cada caso concreto, sob pena de se validar a ocorrência de fraudes e, assim, relativizar as garantias constitucionais aos direitos trabalhistas. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

Introdução 

No dia 14 de abril, o Ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional dos processos que versem sobre as questões relacionadas ao Tema 1.389, até o julgamento definitivo do Recurso Extraordinário 1.532.603. O Tema irá definir a competência e o ônus da prova nas ações que discutem a existência de fraude no contrato de prestação de serviços e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou física, como trabalhador autônomo, por meio de contrato de prestação de serviços.  

Tão logo proferida, a decisão passou a ser amplamente discutida por magistrados e operadores do direito. Dentre os pontos de discussão levantados destacam-se a preocupação com a usurpação da competência da Justiça do Trabalho; a abertura de margem para fraudes trabalhistas; e os prejuízos que podem resultar da suspensão dos processos. 

O presente artigo possui como objetivo esclarecer, a partir de uma contextualização da evolução jurisprudencial acerca da pejotização, qual foi a motivação por trás da decisão do Ministro Gilmar Mendes na suspensão dos processos relacionados ao tema da pejotização e quais são os principais pontos de atenção relacionados ao tema. 

Breve contextualização jurisprudencial  

O termo “pejotização” sempre foi utilizado majoritariamente para tratar de fraude à legislação trabalhista, com o objetivo de mascarar vínculo de emprego. Dessa maneira, quase que automaticamente, a Justiça do Trabalho invalidava o contrato de prestação de serviços e reconhecia o vínculo empregatício, sobretudo por constatar a existência de subordinação. 

O STF, no entanto, vem alterando consideravelmente as interpretações e as decisões sobre o tema. No julgamento conjunto da ADPF 324 e do RE 958.252, este último representativo do Tema 725 de repercussão geral, realizado em sessão plenária de 30/08/2018 sob relatoria do Ministro Luiz Fux, o STF decidiu pela licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, e qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, com a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.  

No julgamento da ADC 48 e da ADI 3961, em 15/04/2020, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, o STF entendeu que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego regida pela CLT. Na Reclamação Constitucional 56.285, de 27.3.2023, também de relatoria do Ministro Barroso, entendeu serem lícitas outras formas de contratação, desde que o contrato seja real e não configure fraude, isto é, que não esteja mascarando uma típica relação de emprego, com subordinação.  

Na Reclamação 47.843, o STF, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, entendeu ser lícita a pejotização, esclarecendo não haver irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços. Durante o julgamento, o Ministro Barroso reiterou estar a licitude atrelada ao fato de que o caso não tratava de trabalhadores hipossuficientes, que dependem da proteção estatal ao vínculo de empregado, mas de hipersuficientes, que escolheram de forma esclarecida a prestação dos serviços via contrato pejotizado, inexistindo fraude.  

No âmbito da Justiça do Trabalho, o assunto é objeto do Tema 30 de Recursos Repetitivos do TST, o qual, recentemente, foi concluso para decisão em 11 de abril deste ano. No entanto, apesar de o TST vir reconhecendo a licitude da pejotização em algumas decisões, isso não se encontra pacificado e ainda gera grave insegurança jurídica, o que leva à última decisão do Ministro Gilmar Mendes, de suspensão de todos os processos que versem sobre a matéria.  

A decisão do Ministro Gilmar Mendes e o Tema 1.389 do STF 

O Recurso Extraordinário que deu origem ao Tema 1.389 do STF foi o interposto pelo reclamante no processo de número 0000262-33.2020.5.09.0014, proveniente do TRT da 9ª Região (TRT-9), do Estado do Paraná. O caso discutia um contrato de franquia, em que o reclamante alegava a fraude da contratação e pleiteava o reconhecimento de vínculo empregatício. O TST, aplicando as teses fixadas pelo STF em repercussão geral, restabeleceu a sentença de primeiro grau e declarou a licitude do contrato de franquia, excluindo o vínculo de emprego reconhecido em segundo grau.  

Nas razões recursais, o reclamante alegou que as teses fixadas pelo STF não seriam aplicáveis ao caso concreto, pois o que estaria sendo discutido seria a existência dos requisitos para a formação do vínculo empregatício, a ocultação de uma relação de emprego e, portanto, a violação aos artigos 2°, 3° e 9° da CLT, não a possibilidade e a licitude, por si só, de outras formas de contratação, como já definido pela Suprema Corte. 

Em decisão proferida em 12 de abril, o Ministro, por meio de decisão monocrática, tornou de conhecimento público que o Plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria, dando origem ao Tema 1.389, para apreciar a competência e o ônus da prova nas discussões relacionadas a fraudes nos contratos de prestação de serviços e a licitude de contratação nessa modalidade de pessoa jurídica ou de trabalhador autônomo.  

Para o Ministro, a apreciação em repercussão geral se faz necessária em razão do aumento expressivo do volume de processos que tem chegado ao STF sobre o tema, o que está ocorrendo, em sua perspectiva, pela “reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte sobre o tema”, o que está contribuindo para uma grande insegurança jurídica. Em razão disso, determinou a suspensão do processamento de todas as ações que versem sobre o tema em trâmite no território nacional, até o julgamento definitivo do Recurso Extraordinário.  

Considerações importantes 

Em um cenário em que a pejotização já se encontra consolidada na organização produtiva brasileira, a decisão do STF em analisar o tema e suspender as ações é de suma importância, uma vez que, atualmente, inexiste segurança jurídica sobre o tema.  

No entanto, é necessário dar ênfase a duas considerações importantes. A primeira, é em relação à suspensão em si, pois, apesar de conferir maior segurança jurídica ao tema, pode ser extremamente prejudicial caso a apreciação definitiva do Recurso Extraordinário demore, uma vez que os trabalhadores, cujas contratações foram efetivamente fraudadas, irão levar mais tempo para terem seus direitos trabalhistas, verbas de caráter alimentar, garantidos.  

A segunda se refere à separação necessária dos pontos centrais de debate. Não se pode confundir as discussões sobre a possibilidade de existirem outras formas lícitas de contratação além das de regime celetista, o que já restou permitido e pacificado pelo STF, com as de suspeitas de fraude à legislação trabalhista em casos concretos, nas quais deve ser avaliada a presença dos requisitos do vínculo empregatício do artigo 3° da CLT, principalmente os de subordinação e pessoalidade. É sobre esse último ponto que o STF irá decidir no Tema 1.389. 

Ao fixar a tese, é imprescindível que o STF faça essa diferenciação. Ao se discutir a competência para a apreciação de fraudes nos contratos de prestação de serviços, não se discute a possibilidade de se existirem outras formas de contratação, mas sim a presença dos requisitos do vínculo empregatício. 

Em razão do caráter vinculante das teses já fixadas pelo STF, é obrigação da Justiça do Trabalho respeitar a possibilidade de existência de outras formas de contratação. No entanto, por ser a Justiça especializada para isso e por possuir competência para o julgamento das ações oriundas de todas as relações de trabalho nos termos do artigo 114 da CF – não somente as de emprego –, não lhe deve ser retirada a competência para analisar os requisitos do vínculo empregatício em cada caso concreto, sob pena de se validar a ocorrência de fraudes e, assim, relativizar as garantias constitucionais aos direitos trabalhistas. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

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