Diferenças Conceituais e Regulatórias dos Profissionais de Investimento

INTRODUÇÃO
O mercado de capitais tem ganhado cada vez mais o interesse dos brasileiros, já que a ampla variedade de ativos disponíveis tem chamado a atenção de quem busca diversificar e potencializar seu patrimônio. No entanto, para investir de forma segura e eficiente, é essencial entender a lógica e a estrutura desse mercado, que, embora promissor, envolve riscos e exige planejamento.
Isso pois, ao passo que o mercado de capitais pode oferecer retornos significativos ao investidor, possui características e estrutura de funcionamento complexa que, muitas vezes, demandam profissionais especializados para orientar os investidores dentre as diversas oportunidades de investimento.
Diante dessa complexidade, muitos investidores decidem recorrer ao apoio de profissionais especializados, que atuam justamente para orientar, analisar e intermediar decisões no mercado de valores mobiliários.1 Dentre esses profissionais encontram-se os assessores, consultores e analistas de investimento, cada um com atribuições e limitações distintas e próprias.
Uma vez que compreender a atuação desses profissionais é fundamental para obter a orientação mais adequada, o presente artigo busca discutir a atuação de cada um deles com base na regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – autarquia reguladora do mercado de valores mobiliários brasileiro.
ASSESSOR DE INVESTIMENTOS
Os assessores de investimento são profissionais que atuam na: i) prospecção e captação de clientes; ii) recepção e registro de ordens e transmissão dessas ordens para os sistemas de negociação; e iii) prestação de informações sobre os produtos oferecidos e sobre os serviços prestados pela instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários pela qual tenha sido contratado2.
Com a entrada em vigor da Lei nº 14.317/2022, os profissionais conhecidos anteriormente como “Agentes Autônomos de Investimentos” passaram a ser denominados “Assessores de Investimentos”. Tais profissionais podem atuar tanto como pessoa natural, quanto por meio de sociedades constituídas exclusivamente para esse fim. Em ambos os casos, suas atividades devem ser exercidas por meio de uma instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, em nome da qual devem atuar como prepostos.
Os assessores são pessoas que atuam como espécies de “representantes comerciais” ou “distribuidores de produtos” das instituições financeiras3. Cabe a esses profissionais ofertarem os tipos de investimento oferecidos pela corretora ou banco onde atuam, captar clientes, receber e registrar as ordens de investimentos, além de prestar informações sobre os produtos e serviços oferecidos pelas instituições financeiras. Não é seu papel recomendar investimentos, por exemplo.
Além disso, os assessores não têm autorização para administrar a carteira dos investidores, operando os seus recursos por conta própria, como por exemplo fazem os gestores de investimentos. Cada ordem e operação demanda uma autorização expressa do próprio investidor para que seja realizada. Por isso, o regramento CVM proíbe que eles utilizem as senhas ou assinaturas eletrônicas dos clientes4.
Para poderem atuar, os assessores de investimento precisam se credenciar junto a uma entidade autorizada pela CVM, com estrutura de autorregulação e código de conduta profissional. Atualmente, o credenciamento é feito pela Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord). A entidade aplica um exame de certificação, realiza as atualizações cadastrais e é responsável pelo cancelamento dos registros, quando é o caso5.
A atividade dos assessores é regulada por meio das Resoluções CVM 178 e 179. Publicadas em fevereiro de 2023, as resoluções trouxeram atualizações importantes para essa classe de profissionais, como as regras determinam que os clientes sejam informados com clareza sobre as características essenciais da atividade e as remunerações de todos os agentes envolvidos6.
Focada em regular a atividade de assessor de investimento, a Resolução CVM 178 prevê que o profissional entregue ao cliente um termo de ciência detalhando suas atividades, a estrutura remuneratória e potenciais conflitos de interesse. Outro ponto de avanço dessa normativa foi possibilitar que assessores de investimento atuem em mais de uma instituição, sem regime de exclusividade7. No entanto, há de se reconhecer a validade dos contratos de exclusividade, muitas vezes firmados por estes profissionais.
A Resolução CVM 178 ainda permitiu que assessores tenham sócios-investidores, ou seja, aqueles não registrados para atuar na atividade e que podem exercer outras atividades financeiras utilizando o mesmo CNPJ, como por exemplo atuar como corretores de seguros ou correspondentes bancários, desde que elas não sejam conflitantes e que a instituição a que estão vinculados permita essa possibilidade.
Já a Resolução CVM 179 tem como escopo a transparência sobre a remuneração das instituições, exigindo a divulgação, em sites ou páginas na internet, desses valores e potenciais conflitos de interesse, para que os clientes tenham ciência antes de efetivar o investimento. A norma ainda determina que os investidores recebam um extrato trimestral informando a comissão recebida no período acumulado, fator este que implica no maior impacto da regulação, que passou a valer em novembro de 2024, agora no primeiro trimestre de 20258.
Deve-se atentar, no entanto, na não aplicabilidade desta norma às instituições bancárias. Isso pois, a CVM regula os distribuidores e as corretoras nas quais os assessores estão vinculados, sendo de competência do Banco Central do Brasil (BACEN) a regulação dos bancos.
No que tange à remuneração desses profissionais, em geral, assessores são remunerados pela instituição ou escritório de assessoria aos quais estão associados e os pagamentos envolvem comissão sobre investimentos realizados pelos clientes. Após a edição das Resoluções CVM 178 e 179, acredita-se que esses profissionais começarão a receber remunerações fee based, em que o cliente paga uma taxa fixa ao assessor, independente do produto financeiro oferecido9.
CONSULTOR DE VALORES MOBILIÁRIOS
Noutro giro, tem-se a atividade de consultoria de valores mobiliários, que envolve a prestação de serviços de orientação, recomendação e aconselhamento sobre investimentos no mercado de valores mobiliários. Aqui, o profissional aplica seus conhecimentos técnicos e práticos para auxiliar diretamente o investidor na escolha dos produtos que melhor se alinhem aos seus objetivos e às suas necessidades individuais.
Dessa forma, tem-se que o consultor é um profissional que pode ajudar o investidor, de forma mais pessoal e individualizada, sendo pessoa física ou jurídica10. Em geral, esses profissionais trabalham em consultorias especializadas e em empresas que contam com divisões focadas em gestão de fortunas. Por isso, tendem a oferecer serviços para o público de mais alta renda11.
O foco desses profissionais está no cliente, na identificação de suas necessidades, interesses, objetivos, preferências e perfil de risco, de modo a maximizar seus ganhos, orientando seus investimentos no mercado de valores mobiliários.
Sua função é entender a realidade do cliente e propor as melhores soluções em forma de investimentos, fator este que leva a uma diferença fundamental entre os assessores e os consultores: o consultor pode recomendar produtos ao cliente, pensando num planejamento estratégico, enquanto o assessor nunca recomenda, apenas oferece e explica as opções de investimento disponíveis no mercado.
Entretanto, a atividade de consultoria de valores mobiliários não inclui a execução direta das recomendações oferecidas. A decisão sobre adotar ou não as orientações cabem exclusivamente ao cliente, que também escolhe a forma como irá implementá-las. Ainda assim, é possível que o consultor, as entidades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários (corretoras, distribuidoras ou bancos) e seus clientes em comum estabeleçam canais de comunicação e ferramentas que permitam a execução das orientações e recomendações com maior agilidade e segurança12.
A atuação do consultor deve sempre visar o melhor interesse do investidor, segundo o princípio da suitability, de acordo com sua situação financeira, perfil e objetivos, empregando, de forma independente e fundamentada, seu conhecimento técnico e evitando situações que possam configurar potenciais conflitos de interesses. O consultor pode ainda atuar na seleção de corretores, distribuidoras e demais prestadores de serviços do mercado de valores mobiliários, que se adequem ao perfil do investidor.
Além disso, o consultor não pode assegurar aos investidores nenhum tipo de garantia de resultados futuros ou isenções de risco, omitir informações de possíveis conflitos de interesses ou receber qualquer remuneração, benefício ou vantagem direta ou indireta de partes relacionadas ao investimento sugerido.
Esta atividade obedece às normas da Resolução CVM 19, e demanda um credenciamento junto à entidade e o pagamento de uma taxa de fiscalização trimestral. Para obter o registro, é necessário comprovar experiência ou conhecimento técnico na área. Em regra, os consultores são remunerados diretamente pelos investidores que atendem, por meio de taxas fixas ou percentuais previamente acordados13.
No caso da pessoa física, o consultor deve possuir diploma de curso superior, reputação ilibada, aprovação em exame de certificação reconhecido pela CVM, entre outros requisitos. Já a pessoa jurídica precisa ter sede no Brasil, incluir expressamente a consultoria de valores mobiliários em seu objeto social e designar um diretor estatutário responsável por essa atividade, devidamente registrado como consultor perante a CVM14.
ANALISTAS DE VALORES MOBILIÁRIOS
Ao contrário do assessor e consultor, os quais possuem maior proximidade com o investidor, o analista de valores mobiliários elabora relatórios de análises destinados à publicação, divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a clientes, que possam auxiliar ou influenciar investidores no processo de tomada de decisão de investimento15.
Dessa forma, a relação entre analista e investidor se baseia no fato de que, o investidor que optar investir por conta própria, de maneira independente, definindo as classes de ativos em que deseja investir, pode basear as suas decisões em análises especializadas realizadas pelos analistas de valores mobiliários.
A expressão “relatório de análise”, segundo a própria CVM, refere-se a qualquer texto, estudo, relatório de acompanhamento ou análise que trate de valores mobiliários específicos ou de emissores determinados, com o objetivo de auxiliar ou influenciar investidores em seu processo de tomada de decisão. Exposições públicas, apresentações, vídeos, reuniões, conferências telefônicas e quaisquer outras manifestações orais ou não escritas, cujo conteúdo se enquadre nas características de um relatório de análise, também são consideradas como tal para fins regulatórios16.
Dessa forma, o trabalho dos analistas está voltado à avaliação de empresas ou ativos financeiros específicos, e não às características ou interesses individuais de cada investidor. Assim, os analistas não podem sugerir que os investimentos que avaliam possuem determinada rentabilidade ou isenção de riscos e devem evitar expressões que levem os investidores a confundirem a análise com uma sugestão de investimento.
Embora as recomendações e relatórios de análise possam ser úteis no processo de decisão, cabe ao próprio investidor refletir se aquele ativo é, de fato, compatível com seu perfil e com seus objetivos de investimento.
Diante da importância da atividade, a qual envolve apurado conhecimento técnico, além da regulação da CVM, os analistas também possuem entidade autorreguladora: a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) que, desde 2010, exerce a função de credenciar estes profissionais17.
Para exercer as suas funções, o analista deve ser aprovado em exame de qualificação técnica e seguir o código de conduta da Apimec, além de possuir curso superior e reputação ilibada. Essas exigências buscam assegurar a integridade da atividade, prevenindo conflitos de interesse, promovendo o uso de informações confiáveis e garantindo a independência do profissional em relação à instituição ou pessoa à qual esteja vinculado18.
Ainda, os analistas podem atuar de forma autônoma ou vinculados a instituições financeiras, como corretoras, casas de análise ou bancos, que, em geral, são os responsáveis por sua remuneração. Importante destacar que esses profissionais não recebem comissões sobre os investimentos realizados pelos investidores com base nos relatórios que produzem, o que reforça a imparcialidade de suas recomendações.
CONCLUSÃO
Cada um dos profissionais aqui listados19 exerce um papel específico na estrutura do mercado de capitais, com diferentes graus de proximidade com o cliente, responsabilidades e formas de remuneração, sendo todos, por fim, regulados pela CVM e, em alguns casos por entidades de autorregulação e/ou de classe.
Diante de um mercado de capitais cada vez mais acessível, é indispensável que o investidor conheça o papel de cada um desses profissionais, pois, mais do que delegar decisões, é necessário que o investidor se mantenha informado, questione e reflita sobre as orientações e análises recebidas20. A regulação promovida pela CVM, somada à atuação ética e técnica desses profissionais, contribui significativamente para o fortalecimento da confiança no mercado de capitais e para a proteção dos interesses dos investidores, maximizando os ganhos para ambos os lados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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