Anexo ASG: informações de diversidade, inclusão e governança que as companhias devem reportar a partir de 2025

Em 2025, inicia-se a primeira oportunidade de revelação das medidas adotadas e informações fornecidas pelas companhias abertas listadas na B3 em relação às disposições do Anexo ASG ao Regulamento de Emissores da bolsa brasileira, aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 14 de julho de 20231.
A estrutura normativa do Anexo ASG repousa na competência da B3 como entidade administradora de mercado organizado, nos termos do art. 21, § 4º, da Lei nº 6.385/76, regulamentada pelo art. 15 da Resolução CVM nº 135/22.
O Anexo de medidas Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa
O Anexo ASG foi consolidado mediante participação conjunta do mercado, por meio da Audiência Pública n° 01/2022-DIE, realizada entre 17/08/2022 e 16/09/2022. Durante o procedimento, a B3 recebeu mais de 250 comunicações de players engajados na temática ASG, como investidores pessoas físicas, companhias listadas e escritórios de advocacia, que contribuíram para o processo de revisão e aprovação da proposta apresentada.
Ainda, cabe apontar que, em conjunto, à época, a B3 também reviu e consolidou nova versão do Regulamento de Emissores e o Manual de Emissores, o que não foi objeto de consulta pública, de forma que as percepções dos agentes de mercado foram restritas ao conteúdo do Anexo, que será abordado em sua completude adiante.
A proposta foi consolidada no texto aprovado pela CVM, de forma que o Anexo integra o Regulamento de Emissores, mas tem conteúdo próprio e autônomo, com três medidas normativas atualmente em vigor: (i) de diversidade da administração da companhia, (ii) procedimento de nomeação de diretores e (iii) conselheiros e política de remuneração variável atrelada aos indicadores do Anexo ASG.
O cumprimento de tais medidas deverá ser realizado mediante apresentação de evidências da adoção, ou de justificativa para eventual não adoção, total ou parcial, de cada medida, na atualização anual obrigatória de informações pelo envio formulário de referência, conforme previsto na Resolução CVM n° 80/2022.
Esse movimento regulatório encontra respaldo em um quadro ainda alarmante no mercado brasileiro, evidenciado em levantamento realizado pela B32, com base nos dados de mais de 300 companhias listadas que entregaram seus Formulários de Referência até 20 de junho de 2023.
Ainda, em relação à participação feminina, 55% das empresas não possuem diretoras estatutárias e 36% dos conselhos de administração são compostos, exclusivamente, por homens.
A disparidade racial é ainda mais expressiva: 88,6% companhias declararam não ter nenhuma pessoa parda na diretoria estatutária e 90,4% não possuem pessoas pardas no conselho, enquanto 97,9% companhias não contam com pessoas pretas na diretoria e 95,3% não as possuem em seus conselhos de administração.
Esse retrato estatístico demonstra a magnitude do desafio e a importância da indução regulatória como instrumento para a construção de ambientes corporativos mais diversos e representativos.
Pratique e explique X Cota mandatória
Antes de prosseguir às medidas vigentes, cumpre destacar um tema que foi objeto de controvérsia e equívoco interpretativo por parte dos atores de mercado. O modelo “pratique ou explique”, adotado no Anexo ASG, impõe às companhias o dever de adotar a prática exigida ou, alternativamente, apresentar justificativa objetiva e fundamentada de sua não adoção por meio do Formulário de Referência (FRe), instrumento de divulgação regulado pela RCVM 80/2022.
Em muito, se confundiu o modelo regulatório e entendeu-se tratar de que as medidas do Anexo ASG, abaixo abordadas, tratava-se de cotas mandatórias, em que as companhias deveriam implementá-las em qualquer cenário, o que não é o caso, uma vez que as companhias podem justificar a não adoção das políticas propostas.
Diante da controvérsia gerada, a B3 consignou, em seu Relatório de Análise3, uma série de esclarecimentos preliminares, endereçando críticas recebidas no âmbito da audiência pública, inclusive quanto à alegada inconstitucionalidade do Anexo e à suposta natureza discriminatória da Medida ASG 1.
As três medidas ASG em vigor
A Medida ASG 1 determina que a companhia eleja, como membros da administração da companhia (titulares do conselho de administração ou da diretoria estatutária), ao menos (i) uma pessoa que se identifique como do gênero feminino e (ii) uma pessoa pertencente a comunidade sub-representada, nos termos da Lei 13.146/2015 (Anexo ASG, art. 3°, II). É importante destacar que a versão final do Anexo vedou o cumprimento simultâneo dos dois critérios por uma mesma pessoa, exigindo a presença de duas pessoas distintas nos órgãos colegiados indicados.
O momento de verificação do cumprimento dessa medida tomará por base a composição dos referidos órgãos na data-base adotada pela companhia para a elaboração do Formulário de Referência, que, nos termos da RCVM 80/2022, costuma coincidir com o encerramento do exercício social.
Caso os requisitos não sejam atendidos, a companhia deverá apresentar, nesse mesmo documento, justificativa específica à não adoção da prática, utilizando os campos atualizados do FRe. Assim, já no FRe de 2025, as companhias deverão indicar se cumprem a Medida ASG 1, sendo tolerada sua implementação progressiva até 2026 (Anexo ASG, art. 4º, par. único).
A Medida ASG 2 impõe às companhias a obrigação de prever, em seu estatuto social ou em política própria de indicação, critérios objetivos de nomeação de administradores que contemplem diversidade e complementariedade de experiências. Essa exigência visa institucionalizar a consideração da diversidade no processo de nomeação, tornando-a um parâmetro formal de governança. Os critérios devem abranger, no mínimo, aspectos como gênero, orientação sexual, cor ou raça, faixa etária e inclusão de pessoas com deficiência, além da diversidade de experiências profissionais (Anexo ASG, art. 5º).
A Medida ASG 3, por sua vez, trata da política ou prática de remuneração variável dos administradores. Caso a companhia preveja remuneração variável para os membros do conselho ou da diretoria, deverá incluir, na política correspondente, ao menos um indicador de desempenho vinculado a metas ou temas ASG (Anexo ASG, art. 5º). Se não o fizer, deverá justificar a decisão no Formulário de Referência, nos termos do art. 5º do Anexo.
A medida busca alinhar os incentivos da alta administração com objetivos estratégicos relacionados à sustentabilidade, equidade e governança.
Assim como na Medida ASG 2, o cumprimento ou a justificativa da Medida ASG 3 também deverá constar do FRe a ser entregue até abril de 2025, sem qualquer fase de transição ou tolerância temporal.
Estão dispensadas do cumprimento das medidas nele previstas: (i) companhias com registro perante a CVM na categoria B;
(ii) companhias de menor porte (PMEs), conforme definição do art. 294-B da Lei nº 6.404/76;
(iii) companhias sujeitas à Resolução CVM nº 10/2020, beneficiárias de incentivos fiscais; e
(iv) emissores de BDRs patrocinados.
Conclusão
O Anexo ASG, portanto, representa um passo relevante na evolução do regime de governança das companhias abertas no Brasil. Por meio da exigência de práticas voltadas à diversidade, à inclusão e à sustentabilidade, a regulação reforça o papel das companhias como agentes sociais, sem abdicar da racionalidade do mercado.
Ainda que a adoção das práticas não seja mandatória, a exposição pública das razões de não adoção não é neutra. Ela pode gerar repercussões reputacionais, críticas do mercado, questionamentos de investidores institucionais, além de pressionar os emissores a se alinhar às expectativas sociais contemporâneas. Não se trata, portanto, de uma mera formalidade documental, mas de um mecanismo de indução comportamental no mercado regulado.
A entrega do Formulário de Referência de 2025 será o primeiro grande marco dessa nova fase regulatória, exigindo das companhias responsabilidade social para implementar as medidas. Espera-se que os indicadores de diversidade na composição dos conselhos de administração e dos diretores estatutários das companhias apresentem uma melhora significativa, de forma a cumprir o objetivo da política.
Entretanto, as expectativas devem ser medidas com certo ceticismo: as medidas não são mandatórias e, possivelmente, não foram muito bem recebidas pelos agentes. Afinal, na audiência pública foram endereçados muitos comentários alegando a inconstitucionalidade do Anexo e um suposto caráter discriminatório das medidas propostas, em especial a Medida ASG 1.