CVM PROPÕE MUDANÇAS NA RESOLUÇÃO 44/2021 POR MEIO DE CONSULTA PÚBLICA 

João Vitor Lopes Cunha
João Vitor Lopes Cunha

Em 13 de maio de 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Edital de Consulta Pública SDM nº 01/25, por meio do qual submete à apreciação duas minutas de alteração normativa. A primeira delas (Minuta A), se propõe a substituir a Resolução CVM 44/2021, que dispõe sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado e a divulgação de informações sobre a negociação de valores mobiliários. Entre os principais aprimoramentos, destacam-se a reorganização estrutural da norma, a introdução de parâmetros mais claros para divulgação de participações relevantes e a positivação da figura do “Comunicado ao Mercado”. 

A consulta inclui ainda uma segunda minuta (Minuta B), que propõe ajustes pontuais à Resolução CVM 80/2022, com o objetivo de evitar a divulgação de informações prematuras sobre ofertas antes da viabilidade ser confirmada. Ambas propostas visam melhorar a distinção entre fatos relevantes e comunicados ao mercado, ampliar prazos de divulgação em casos específicos e harmonizar conceitos regulatórios com normas recentes editadas pela Autarquia.  

Fato Relevante e Comunicado ao Mercado 

O conceito de fato relevante no mercado de capitais brasileiro tem raízes no art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76, que obriga os emissores a divulgarem, de forma ampla e imediata, qualquer fato ou ato capaz de influenciar de modo relevante a decisão dos investidores ou a cotação de valores mobiliários. Tradicionalmente, a divulgação de fatos relevantes é tratada com rigor, devendo ocorrer preferencialmente antes ou após o encerramento dos negócios em mercados organizados, conforme previsto no art. 5º da Resolução CVM 44/2021 e reiterado no art. 20 da Minuta A. Caso a divulgação não seja possível, pode haver suspensão da negociação para garantir a isonomia informacional entre os participantes do mercado. 

Em razão da dinâmica prática entre emissores e investidores, consolidou-se a utilização de um segundo canal informativo: o comunicado ao mercado. Embora amplamente empregado, esse tipo de divulgação até então carecia de definição normativa expressa. A minuta A, ao tratar do tema em seu art. 6º, formaliza o conceito de comunicado ao mercado como o anúncio destinado a divulgar informações que, embora relevantes para os participantes, não se enquadram em fato relevante. O texto normativo ainda exemplifica algumas situações típicas para esse tipo de comunicação, como esclarecimentos solicitados por órgãos reguladores ou materiais apresentados a analistas. 

A escolha entre divulgar uma informação como fato relevante ou como comunicado ao mercado permanece, segundo a Minuta A, uma decisão discricionária do diretor de relações com investidores, com base na natureza e na potencial repercussão da informação. No entanto, o art. 32 da Minuta A reforça que, a depender da natureza da informação, essa decisão deve contar com o envolvimento de outros agentes do emissor que tenham acesso direto aos fatos, como administradores e acionistas controladores. A CVM reconhece a necessidade de respeitar a boa-fé e a capacidade técnica desses agentes, partindo da presunção de que sua avaliação foi adequada, salvo prova em contrário, sendo possível o reexame da decisão pela CVM. 

Para orientar essa decisão, o art. 32, § 2º, lista situações que demandam especial cautela, sem, contudo, impor um rol taxativo. Ademais, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) mantém a prerrogativa de poder determinar a divulgação, correção ou aditamento das informações prestadas pelo emissor, caso entenda necessário, conforme art. 17 da Minuta A. 

Em complementação, a Minuta A também inclui um novo capítulo (arts. 9º a 17) dedicado a regras gerais de divulgação de informações, que materializa princípios fundamentais de transparência, completude, clareza e equidade. Essas regras foram inspiradas em comandos semelhantes da Resolução CVM 80/2022 e passam a se aplicar tanto aos fatos relevantes quanto aos comunicados ao mercado, além de alcançarem também emissores não registrados de valores mobiliários. 

Prazos para Divulgação de Participações Relevantes 

Atualmente, a Resolução CVM 44/2021 exige que qualquer investidor que atinja participação relevante no capital de um emissor reporte esse fato imediatamente (art. 12, § 4º), independente de sua intenção quanto à alteração do controle ou da estrutura administrativa da companhia. Essa obrigação de reporte imediato pressupõe que o investidor consolide rapidamente suas posições acionárias, o que pode representar um desafio operacional, sobretudo para investidores institucionais que negociam ações continuamente, por meio de múltiplos fundos e veículos, muitas vezes em múltiplas jurisdições. A justificativa para essa exigência reside na necessidade de garantir a tempestividade da informação ao mercado em situações de potencial disputa societária ou de alteração de controle, onde a assimetria informacional poderia gerar prejuízos aos demais investidores. 

Com o objetivo de reduzir custos de observância regulatória nos casos em que não há intenção de influenciar o controle ou a gestão do emissor, a Minuta A propõe uma mudança significativa: a ampliação do prazo para divulgação de participações relevantes para até 3 dias úteis, nas situações em que o investidor declare expressamente não ter objetivo de promover tais alterações (art. 39). Durante o período de 3 dias úteis, o investidor não poderá exercer direitos de voto nem adotar qualquer medida que possa indicar intenção de influenciar a administração ou o controle da companhia, assegurando que a postergação da divulgação não seja utilizada de forma estratégia em detrimento do mercado. 

Intenção de Influir na Estrutura Administrativa e no Controle do Emissor 

A Minuta A introduz avanços ao tratar da intenção do investidor de influenciar (ou não) a estrutura administrativa ou o controle do emissor. O art. 38, § 1º, apresenta uma lista exemplificativa de condutas que, se praticadas, indicam o objetivo de alterar a estrutura administrativa ou de controle do emissor, como o lançamento da oferta pública de aquisição de controle, a convocação de assembleias para reestruturações societárias ou a celebração de acordos de acionistas com cláusulas sobre eleição ou destituição de administradores. 

Por outro lado, os §§ 2º e 3º enumeram situações que, em regra, não configuram esse objetivo, como a adesão a oferta pública de aquisição lançada por terceiros, o exercício do direito de voto em assembleias convocadas por terceiros ao qual não seja vinculado ou a atuação para instalação de órgãos de fiscalização, como o conselho fiscal. Importante ressaltar que ambas as listas são apenas exemplificativas e não afastam a necessidade de análise cuidadosa das circunstâncias concretas de cada caso. 

Ademais, visando mitigar o risco do uso estratégico indevido do prazo estendido de 3 dias úteis, previsto pela Minuta A, para divulgação do atingimento de participação relevante, a minuta estabelece, no art. 39, § 1º, que o investidor só exerça o direito de voto após promover a necessária comunicação ao diretor de relações com investidores. Caso, posteriormente, o investidor decida revisitar e modificar seu posicionamento e passe a ter o objetivo de alterar a estrutura administrativa ou o controle, deverá dar imediata transparência a essa mudança por meio de nova comunicação, conforme previsto no art. 40, § 3º. 

Ainda, com o intuito de trazer maior concretude e previsibilidade, a Minuta A estabelece um intervalo mínimo de 3 meses entre declarações contraditórias de intenção por parte do investidor, criando uma presunção relativa de descumprimento caso a mudança de posicionamento ocorra antes desse período (art. 40, § 4º). Além disso, o art. 33, § 1º, inciso I, trata de outra hipótese que demanda divulgação: quando o bloco detentor da participação relevante se forma (ou se dissolve) em virtude de dois ou mais acionistas que antes agiam de modo independente passarem a agir em conjunto (ou, no caso de dissolução, deixarem de agir em conjunto e passarem a agir de forma independente), situação que exige a divulgação a respeito da formação ou dissolução do bloco mesmo que nenhum de seus membros tenha negociado ações. 

Uniformização do Conceito de Pessoa Vinculada 

A nova proposta de minuta propõe a uniformização do conceito de “pessoa vinculada” entre a nova norma de divulgação de participações relevantes (Minuta A) e a Resolução CVM 215/2024, que regula as ofertas públicas de aquisição de ações (OPA). Atualmente, embora a Resolução CVM 44/2021 já exija a divulgação de participações relevantes por grupos de pessoas que atuem em conjunto ou representem um mesmo interesse, a redação vigente difere da utilizada na Resolução CVM 215/2024, o que pode gerar interpretações divergentes e insegurança jurídica.  

Com o objetivo de eliminar essa inconsistência, a Minuta A copia integralmente o conceito de “pessoa vinculada” previsto na Resolução CVM 215/2024, incorporando-o ao seu texto no art. 8º. De acordo com este, considera-se pessoa vinculada qualquer pessoa natural ou jurídica, fundo ou universalidade de direitos que atue em conjunto ou represente o mesmo interesse de outra pessoa, grupo, fundo ou universalidade de direitos. Além disso, o dispositivo prevê hipóteses de presunções relativas dessa vinculação, como em casos de relações familiares próximas (cônjuges, companheiros e parentes até o 2º grau), relações societárias de controle, situações envolvendo direitos de aquisição de controle, gestores com administração discricionária sobre fundos de investimento e administradores de massas patrimoniais (inventariantes ou administradores judiciais. A harmonização proposta visa garantir maior coerência regulatória e segurança, especialmente considerando que operações envolvendo participações relevantes e OPAs frequentemente se desenvolvem em um mesmo contexto, como disputas societárias ou processos de aquisição de controle. 

Aprimoramento do Conteúdo da Divulgação de Participações Relevantes 

A Minuta A mantém, com ajustes pontuais, a estrutura de informações exigidas atualmente pelo art. 12 da Resolução CVM 44/2021, em caso de atingimento de participação relevante no capital social do emissor. Entre as inovações, a proposta incorpora à norma orientações anteriormente constantes de ofício circular da SEP, especialmente no que se refere à divulgação feita em nome de múltiplos investidores. Nesse contexto, a minuta exige que, caso a divulgação abranja um conjunto de pessoas vinculadas, sejam discriminadas individualmente a participação de cada investidor, ainda que inferiores a 5% de espécie ou classe de ações representativas do capital social do emissor. 

Contudo, nos casos em que as participações sejam detidas por meio de veículos ou fundos de investimento sob controle ou gestão discricionária de outros investidores, permite-se a dispensa dessa discriminação, desde que sejam divulgados os dados do investidor que detenha os poderes de gestão discricionária e exercício de direitos políticos inerentes às ações. 

Ainda, cabe destacar que são desconsideradas, para fins de verificação do atingimento de participação relevante, as ações ainda não emitidas (mesmo nos casos em que o investidor seja titular de valores mobiliários que possam originar emissão futura de ações), bem como as ações detidas por fundos de índice de valores mobiliários dos quais o investidor seja cotista e as ações referenciadas em certificados de operações estruturadas (ou instrumentos derivativos), desde que as ações do emissor representem menos de 20% da composição do fundo ou instrumento. 

Aplicabilidade das regras de divulgação de informações (Minuta A) 

A Resolução CVM 44/2021 foi originalmente redigida com foco nas companhias abertas. No entanto, seu art. 22 já previa a aplicação da norma também a emissores estrangeiros que patrocinem programas de BDR níveis II e III. Nesse sentido, a Minuta A avança nesse ponto ao atualizar as referências terminológicas da norma, adotando o termo “emissor” como padrão, em alinhamento com a Resolução CVM 80/2022 e com a lógica de abrangência. Além disso, considerando o disposto no art. 89, incisos V e VI, da Resolução CVM 160//2022, que prevê a incidência de certas regras também sobre emissores não registrados de valores mobiliários, a Minuta A inclui, em seu art. 3º, a delimitação clara das disposições que devem ser observadas por esses emissores, conferindo maior previsibilidade normativa. 

Ainda, a minuta também aprimora o tratamento das hipóteses de inaplicabilidade da norma, que atualmente menciona expressamente apenas as companhias securitizadoras. O art. 4º da nova minuta explicita a exclusão da incidência da norma para fundos de investimento, emissores de valores mobiliários que sirvam como lastro para programas de BDR Nível I e emissores não registrados que tenham realizado ofertas exclusivamente por meio de plataforma eletrônicas de investimento participativo. 

Minuta B e as alterações promovidas na Resolução CVM 80/2022 

A Minuta B propõe ajustes pontuais à Resolução CVM 80/2022, com foco na flexibilização dos prazos para envio das atas societárias relativas às deliberações sobre a emissão de valores mobiliários. A sugestão, originalmente apresentada na Consulta Pública SDM nº 02/24, busca permitir que tais atas sejam entregues em até 7 dias úteis não a partir da data da reunião do conselho de administração ou da diretoria, como previsto atualmente, mas sim a partir do momento em que a realização da oferta se tornasse pública. 

 A justificativa para a sugestão foi a de que dependendo do porte da companhia e da captação pretendida, o processo de emissão de valores mobiliários pode envolver um rito de aprovação mais prolongado. Nessas situações, o prazo de 7 dias úteis contados da reunião deliberativa pode ser insuficiente para que a companhia tenha segurança sobre a viabilidade da oferta. Isso levaria à divulgação de atas contendo informações ainda genéricas ou preliminares e à exposição ao mercado da intenção de captação antes mesmo de sua efetiva definição. 

À época, contudo, a sugestão não foi acolhida, pois seus efeitos não poderiam ser plenamente alcançados sem uma alteração concomitante no art. 9º da Resolução CVM 44/2021. Com a proposta de revogação dessa norma por meio da Minuta A, que não reproduz a redação anterior do mencionado artigo, criou-se o ambiente regulatório necessário para viabilizar a sugestão. Assim, a Minuta B introduz novos parágrafos nos arts. 33 e 34 da Resolução CVM 80/2022, facultando ao emissor, em substituição ao prazo de 7 dias úteis contados da reunião deliberativa, realizar o envio das atas apenas após concluir a avaliação da viabilidade da oferta e tomar decisão em caráter definitivo sobre sua efetiva realização.

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