É lícito fixar honorários sucumbenciais em contrato 

Gabriel José Bernardi Costa e Séfora Maelly de Sousa
Gabriel José Bernardi Costa e Séfora Maelly de Sousa

Introdução 

Não é raro que as partes, ao contratarem, fixem os encargos para o caso de inadimplemento das obrigações pactuadas. Normalmente, a pactuação desses encargos envolve a fixação do percentual que será devido a título de honorários advocatícios que a parte inadimplente terá de arcar à outra, em complemento às demais penalidades devidas. 

Ocorre que essas cláusulas contratuais são frequentemente rejeitadas pelos tribunais brasileiros, os quais negam eficácia à pactuação sob o fundamento de que – nas ações de execução – cabe ao juízo fixar os honorários sucumbenciais, nos termos do art. 827 do CPC/15. 

Esse entendimento repousa na convicção de que o valor dos honorários não poderia ser convencionado pelas partes, por se tratar de norma cogente. No entanto, essa interpretação não é de todo correta, uma vez que o sistema jurídico brasileiro permite a pactuação dos honorários sucumbenciais, desde que respeitados certos parâmetros. 

 

Os honorários advocatícios 

Conforme dispõe o art. 22 da Lei nº 8.906/94, os honorários são direito do advogado, podendo apresentar duas espécies distintas, as quais poderão ser cumuladas ou não. São elas: i) honorários contratuais e ii) honorários sucumbenciais, fixados em processo judicial ou arbitral. 

De acordo com o § 2º do referido artigo, os honorários serão fixados por arbitramento judicial na falta de estipulação ou de acordo entre as partes contratantes, e a remuneração deverá ser compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, observado obrigatoriamente o disposto no art. 85 do Código de Processo Civil. 

Os honorários disciplinados pelo art. 85 do Código de Processo Civil possuem natureza sucumbencial. O artigo estabelece que a parte vencida da ação deverá arcar com os honorários advocatícios do patrono da parte vencedora, que serão fixados pelo juízo entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. 

No Código Civil, os artigos 389, 395 e 404 incluem os honorários advocatícios na indenização por perdas e danos. O art. 389 prevê que não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários de advogado. O art. 395 acrescenta que o devedor também responderá pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários e honorários de advogado. Já o art. 404, prevê que, nas obrigações de pagamento em dinheiro, as perdas e danos também incluirão os honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. 

 

Os honorários contratuais na jurisprudência do TJSP e STJ 

Em relação aos honorários contratuais, não parece haver grandes controvérsias na atuação do judiciário brasileiro. 

Por exemplo, a jurisprudência pacificada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) compreende que os honorários advocatícios contratuais do patrono da parte vencedora não são, em regra, passíveis de ressarcimento pela parte vencida. 

Para ambos os tribunais, os honorários contratuais não constituem dano material indenizável, pois o dever de reparar restringe-se ao dano sofrido e não ao custo do exercício do direito de ação.1 Caso contrário, seria atribuída ilicitude a qualquer pretensão questionada judicialmente2. 

A contratação de um advogado é entendida pelos tribunais como ato de liberalidade e escolha pessoal da parte, que leva em consideração diversos elementos além da capacidade profissional, como conveniência e oportunidade do contratante, capacidade econômica, questões mercadológicas, dentre outros3 

De qualquer forma, os honorários contratuais são inoponíveis à parte adversa, haja vista tratar-se de verba contratada entre a parte e o seu advogado em uma avença particular e personalíssima4. Ou seja, nada mais que um reflexo da relatividade dos efeitos dos contratos. 

 

Cláusula de honorários por inadimplemento: a jurisprudência do STJ e TJSP  

Conforme se apontou anteriormente, a controvérsia parece repousar na pactuação privada sobre os honorários sucumbenciais, normalmente rejeitada pela atuação dos tribunais. 

Para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo, os exequentes não estariam autorizados a incluir no objeto das ações de execução os honorários pactuados como encargos pelo inadimplemento contratual, pois a contratação do serviço advocatício decorreria de uma opção pessoal do contratante; ou seja, não constitui efeito imediato, direto e inevitável do ato ilícito imputado ao seu adverso, razão pela qual não enseja reparação5. 

Consequentemente, as cláusulas contratuais que fixam o valor para os honorários sucumbenciais em caso de inadimplemento têm sua eficácia negada, sob o fundamento de serem disposições negociais privadas que contrariam normas jurídicas cogentes. 

Tanto o STJ quanto o TJSP entendem que os honorários fixados como encargos pelo inadimplemento contratual possuiriam natureza sucumbencial e, portanto, deveriam obedecer à norma do artigo 85, § 1º, que prevê que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, inclusive na execução, resistida ou não. E à norma do art. 827, que, por sua vez, determina que, ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado, e que posteriormente deverão ser revistos caso a execução prossiga. 

A jurisprudência dos tribunais analisados entende que, mesmo quando o título executivo preveja expressamente a obrigação de pagar os honorários na hipótese de descumprimento contratual, não seria possível imputar ao executado essa obrigação, sob pena de caracterizar bis in idem6, pois já caberia ao devedor o pagamento dos honorários sucumbenciais legais. 

Todavia, os tribunais entendem que se o título executivo for um contrato de natureza empresarial, a previsão de pagamento de honorários contratuais é lícita e não há que se falar em bis in idem, em razão do princípio da autonomia que rege os contratos empresariais e do risco inerente à atividade empresarial7. 

 

Adequações à Jurisprudência: A eficácia das cláusulas de honorários 

A solução para o problema em questão deve levar em consideração que os honorários advocatícios pactuados pelos contratantes para os casos de inadimplemento não são honorários contratuais, mas sucumbenciais. Isso se dá porque eles não têm a natureza remuneratória de contraprestação por um contrato de prestação de serviços. 

Eles são sucumbenciais, porque decorrem – à semelhança dos juros e da correção monetária – de consequências pelo inadimplemento da obrigação. De modo que, por força do art. 389 do CC/02, incidiriam sobre o inadimplemento mesmo que não estivessem expressamente pactuados. 

A jurisprudência brasileira se equivoca, no entanto, ao considerar que a fixação dos honorários sucumbenciais estaria sujeita a uma norma cogente e indisponível, de modo que sua fixação caberia única e exclusivamente aos magistrados, nos termos do art. 85 e 827 do CPC. 

Conforme registra F. C. San Tiago Dantas8, quando a redação do enunciado normativo nada diz, a identificação de uma norma como cogente ou dispositiva depende da identificação dos interesses que ela se destina a proteger. Se são interesses privados de natureza patrimonial das partes, a norma será dispositiva. Mas se se tratar de um interesse geral da comunidade, a norma será cogente. 

Ao contrário dos juros ou da atualização monetária (igualmente mencionados pelo art. 389 do CC/02), os honorários advocatícios referem-se a um direito patrimonial de natureza alimentar (art. 85, §14, CPC) de titularidade dos advogados. Portanto, de titularidade de terceiro que não participa da relação contratual original. 

Daí a questão sobre a validade e eficácia das partes pactuarem modificações aos honorários sucumbenciais dos eventuais advogados que poderão atuar na execução das obrigações inadimplidas ser normalmente respondida negativamente; já que representaria um caso de negócio jurídico sobre interesse alheio. 

Quanto a isso, o art. 24, §4º, da Lei 8.906/94 expressamente prevê que: “o acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrário, salvo aquiescência do profissional do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença”. 

O dispositivo é pertinente porque ele veda a pactuação que “prejudique” os honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, mas nada diz a respeito de negócios jurídicos que lhe beneficiem. Nesse sentido, deve-se interpretá-lo no sentido de que as partes contratantes estão autorizadas a preverem percentuais ou valores para honorários sucumbenciais, em caso de inadimplemento contratual, desde que tais valores igualem ou superem aqueles tipificados em lei. 

Ou seja, as normas sobre honorários sucumbenciais são cogentes no limite em que protegem a verba alimentar dos advogados; sendo, porém, permitidos às partes negociar e alterar a porcentagem legalmente fixada, quando isso conceder um aumento ao valor dos honorários sucumbenciais devidos. 

Tal conclusão se coaduna inclusive à norma do art. 190 do CPC, que autoriza aos litigantes a competência para celebrarem negócios jurídicos processuais sobre os seus “deveres processuais, antes ou durante o processo”, desde que se trate de direito passível de autocomposição. 

 

Conclusões 

Consequentemente, deve-se concluir que as cláusulas contratuais que prevejam os encargos pelo inadimplemento das obrigações poderão também prever alterações no valor dos honorários sucumbenciais, devidos em processos judiciais ou arbitrais, podendo ser válidas ou inválidas, conforme o conteúdo das disposições implique reduções não autorizadas aos direitos dos advogados. 

Assim, serão nulas quaisquer cláusulas que fixem honorários inferiores a 10%, pois violariam o mínimo previsto no art. 85, §2º, do CPC; mas seriam válidas as cláusulas que garantissem honorários superiores a 10%, pois elas implicariam benefícios aos profissionais; reservando-se o direito aos juízes de, conforme o caso, aumentar a parcela devida, nos termos do próprio art. 85, §2º. 

Referências

1 REsp 1.155.527/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 25/02/2015, DJe 18/03/2015. 

2 STJ, RESP nº. 1.837.453/SP, STJ, 3a Turma, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, j. 10/03/2020; REsp 1696910/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2017, DJe 19/12/2017; STJ – AgInt no REsp: 1675580 MA 2017/0129077-3, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 28/11/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2017 

3 STJ – AgInt no AREsp: 2464661 PB 2023/0302499-7, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 22/04/2024, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/04/2024; TJSP; Apelação Cível 1005806-74.2017.8.26.0625; Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36a Câmara de Direito Privado; Foro de Taubaté – 3a Vara Cível; Data do Julgamento: 10/12/2020; Data de Registro: 10/12/2020TJ-SP – Apelação Cível: 1014955-58 .2020.8.26.0506 Ribeirão Preto, Relator.: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 13/02/2023, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/02/2023 

4 STJ – REsp 1084806/RN – Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA – DJc 02/05/2019 

5 TJSP; Apelação Cível 1010297-49.2021.8.26.0152; Relator (a): Arantes Theodoro; Órgão Julgador: 36a Câmara de Direito Privado; Foro de Cotia – 3a Vara Civel; Data do Julgamento: 08/07/2022; Data de Registro: 08/07/2022 

6 TJ-SP – Apelação Cível: 1014955-58 .2020.8.26.0506 Ribeirão Preto, Relator.: Cristina Zucchi, Data de Julgamento: 13/02/2023, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/02/2023TJ-SP – AI: 20478911720228260000 SP 2047891-17 .2022.8.26.0000, Relator.: Marcondes D’Angelo, Data de Julgamento: 17/03/2022, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/03/2022 

7 STJ – REsp: 1644890 PR 2016/0330353-7, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/08/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2020; STJ – AREsp: 2380068, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 10/10/2023TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2337275-70.2023.8 .26.0000 Campinas, Relator.: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 30/01/2024, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/01/2024 

8 Programa de direito civil – Parte Geral, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1977, p. 72-76. 

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Gabriel José Bernardi Costa

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