OPERAÇÕES IMOBILIÁRIAS E ATOS DE CONCENTRAÇÃO: CRITÉRIOS PARA NOTIFICAÇÃO AO CADE

Introdução
De acordo com o artigo 88 da Lei n° 12.529/2011, devem ser submetidos à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) os atos de concentração em que: (i) pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais); e (ii) pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no mesmo período, faturamento equivalente ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais).
O artigo 90, inciso II, por sua vez, estabelece que configuram atos de concentração as operações em que uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por qualquer meio, inclusive compra ou permuta de ações, quotas, títulos, valores mobiliários ou ativos (tangíveis ou intangíveis), o controle ou partes de uma ou mais empresas.
A redação ampla desse dispositivo gerou dúvidas no mercado acerca da necessidade de notificação ao CADE de operações imobiliárias — notadamente aquelas envolvendo aquisição de ativos imobiliários isolados, como lojas, galpões ou centros de distribuição. Essas incertezas motivaram a Consulta nº 08700.007814/2024-75, formulada pela empresa Bompreço Bahia Supermercados Ltda., visando esclarecer os parâmetros aplicáveis à obrigatoriedade de notificação de tais operações.
Consulta nº 08700.007814/2024-75
No caso concreto, a empresa Bompreço Bahia Supermercados Ltda. buscava alienar um imóvel não operacional — anteriormente utilizado como unidade de supermercado — à Manz Empreendimentos Ltda. A despeito da inatividade do estabelecimento à época da negociação, a consulente argumentou que persistia incerteza regulatória quanto à aplicação do controle prévio de estruturas em determinadas hipóteses de transferência de ativos imobiliários, razão pela qual submeteu ao CADE a indagação sobre a necessidade de notificação da operação como ato de concentração.
Em resposta, a autarquia concluiu que a operação não configurava ato de concentração nos termos da Lei nº 12.529/2011, e, ao fazê-lo, estabeleceu três critérios principais para aferir a obrigatoriedade de notificação em operações imobiliárias: (i) o imóvel objeto da transação deve configurar um estabelecimento comercial ativo no momento do início das negociações; (ii) o imóvel deve conter capacidade produtiva instalada, passível de aproveitamento pelo adquirente; ou (iii) o bem deve ser considerado essencial às atividades do adquirente, por razões regulatórias ou legais.
Estabelecimento Comercial
A simples aquisição de um imóvel, por si só, não configura ato de concentração. No entanto, quando a transação envolver a aquisição de um estabelecimento comercial em funcionamento — isto é, uma estrutura organizada capaz de exercer atividade econômica —, poderá haver impacto concorrencial que justifique a notificação.
Assim, entende-se como estabelecimento comercial o conjunto funcional de ativos que: (i) esteja operacional no início das negociações; (ii) permita continuidade da atividade econômica pelo adquirente; (iii) possua elementos organizacionais mínimos, como layout, instalações, logística e, eventualmente, contratos. Nesse cenário, o que importa não é apenas a titularidade do imóvel, mas o uso econômico que ele representa no contexto de mercado.
Capacidade Produtiva
Além da configuração de um estabelecimento comercial, definiu-se como critério de avaliação do CADE à existência de estrutura produtiva montada ou facilmente reativável no imóvel. Ainda que o ativo esteja temporariamente desativado, o fato de conter capacidade produtiva pronta para uso pode configurar a substituição de um concorrente no mercado relevante, uma vez que o adquirente passa a exercer a mesma função econômica com menor esforço de entrada.
A submissão ou não ao CADE dependerá de uma efetiva transferência de capacidade competitiva entre agentes econômicos, devendo-se observar (i) a viabilidade técnica e econômica da reativação do imóvel; (ii) a recente utilização do ativo em atividade econômica; e (iii) a capacidade de o adquirente assumir rapidamente a operação anteriormente ali desempenhada.
Essencialidade do Bem
Para além dos critérios anteriores, estabeleceu-se que aquisição pode configurar ato de concentração se o imóvel for essencial ao desenvolvimento das atividades econômicas do adquirente, seja por fatores regulatórios, legais ou estratégicos.
Nesse sentido, o bem será considerado essencial quando: (i) for indispensável para o ingresso ou expansão do adquirente no mercado relevante; (ii) possuir características únicas, como localização privilegiada ou licenciamento específico difícil de replicar; ou (iii) estiver sujeito a restrições regulatórias ou urbanísticas, que criem barreiras à sua substituição.
Trata-se, portanto, de uma análise sobre a substitutibilidade do imóvel dentro de um determinado mercado geográfico, bem como sobre a indispensabilidade do ativo no desempenho da atividade empresarial, o que gera barreiras entradas aos potenciais concorrentes do adquirente.
Conclusão
A decisão do CADE na Consulta nº 08700.007814/2024-75 trouxe maior segurança jurídica ao mercado ao delinear balizas claras para a notificação de operações imobiliárias. A autarquia reconheceu que nem toda aquisição de imóvel isolado configura, por si só, um ato de concentração, mas alertou para a importância de analisar o contexto concorrencial da operação e a função econômica do ativo envolvido. Dessa forma, operações envolvendo estabelecimentos comerciais em funcionamento, transferência de capacidade produtiva instalada ou aquisição de ativos essenciais tendem a exigir notificação prévia ao CADE, nos termos do artigo 88 da Lei nº 12.529/2011.
Ressalta-se, ainda, que os critérios fixados na decisão não se aplicam às transações entre empresas concorrentes do setor imobiliário, tendo em vista que o tema específico não foi objeto de consulta.