Entre o STF e o TST: A polêmica da responsabilidade trabalhista pela alteração do conceito de grupo econômico

Introdução
Em 12/08/2025, foi publicado edital de abertura de prazo para a manifestação de pessoas, órgãos e entidades interessados na controvérsia do Tema n° 214 de Recursos Repetitivos do TST, no qual se discute se a ampliação do conceito de grupo econômico introduzida pela Reforma Trabalhista (Lei n° 13.467/2017) deve ser aplicada a todo período contratual ou apenas àquele laborado após a entrada em vigor da Lei.
A discussão nasce da alteração do parágrafo 2° e da inclusão do parágrafo 3° no artigo 2° da CLT. Antes, o grupo econômico apenas se configurava quando houvesse subordinação vertical; isto é, direção, controle ou administração entre as empresas. Com a Reforma, incluiu-se no conceito a hipótese de coordenação (horizontal), caracterizada pela demonstração de interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta, ainda que autônomas entre si.
Relevância, contextualização e diferenciação do Tema n° 23 do TST
Atualmente, não há pacificação entre as turmas do TST, essencial para garantir segurança jurídica, sobretudo considerando a tese fixada no Tema n° 23 do Tribunal, no sentido de que as alterações trazidas pela Reforma têm aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, ainda que iniciados antes de sua vigência, quanto a direitos trabalhistas decorrentes de fatos geradores posteriores. No entanto, no Tema n° 214, o ponto controvertido não é a criação ou a supressão de direitos, mas sim a responsabilidade solidária decorrente da ampliação do conceito de grupo econômico.
O recurso de revista que deu origem ao Tema foi interposto na Reclamação Trabalhista n° 1000135-44.2024.5.02.0431 e afetado ao regime de recursos repetitivos em sessão de julgamento de 30/06/2025. No caso, o TRT da 2ª Região manteve a sentença de primeiro grau em que se reconheceu o grupo econômico entre as empresas por relação de coordenação, atribuindo a elas responsabilidade solidária pelas verbas decorrentes de relação de emprego iniciada antes da Reforma Trabalhista.
O TST, então, afetou o recurso ao regime de repetitivos para fixar tese em resposta à seguinte pergunta: “a nova redação do art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT, introduzida pela Lei 13.467/2017, que ampliou o conceito de grupo econômico, para efeito de responsabilidade solidária, de modo a abranger as hipóteses de coordenação entre as empresas e não apenas de subordinação, aplica-se a todo período contratual ou apenas àquele laborado após a entrada em vigor da referida lei?”.
No acórdão de afetação, de relatoria do Ministro Presidente do TST, Aloysio Silva Corrêa da Veiga, destacou-se estarem presentes todos os requisitos para a instauração do incidente de recursos repetitivos, conforme artigo 896-C da CLT: a multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, com 168 acórdãos e 1.361 decisões monocráticas identificados em pesquisa jurisprudencial; a relevância da matéria, em razão da responsabilização solidária de empresas; e a divergência entre as turmas.
Quanto a essa última, destacou o ministro relator que, das oito Turmas, quatro (1ª, 2ª, 3ª e 7ª) entendem pela aplicação da ampliação do conceito de grupo econômico a todo o período contratual, enquanto as outras quatro (3ª, 5ª, 6ª e 8ª) entendem ser limitada ao período contratual posterior à vigência da Lei, apontando, ainda, que apenas a 6ª Turma fundamenta seu entendimento na tese fixada no Tema n° 23.
Nota-se, portanto, que não se trata de uma divergência sutil de entendimentos entre as Turmas, mas de uma efetiva divisão do TST em posicionamentos contrários. Para as empresas, o risco dessa insegurança jurídica é significativo: aquelas que integravam grupo econômico antes da Reforma Trabalhista, por ausência de subordinação hierárquica, podem ser surpreendidas com condenações solidárias por débitos trabalhistas de outras empresas por coordenação.
Ligação com o Tema n° 1232 de Repercussão Geral do STF e impactos das decisões
Em suma, caso o TST reconheça a aplicação retroativa da ampliação do conceito de grupo econômico, aumentará o número de empresas que fazem parte de grupos econômicos e, consequentemente, possuem responsabilidade solidária pelos débitos trabalhistas umas das outras.
Considerando que os débitos trabalhistas estão sujeitos à prescrição quinquenal, apenas podem ser demandados os direitos dos cinco anos imediatamente anteriores ao ajuizamento da ação pelo empregado. Dessa maneira, a responsabilização solidária de empresas pelo novo conceito de grupo econômico irá recair sobre débitos demandados em ações ajuizadas até 11/11/2022, muitas já em fase de execução, considerando que o tempo médio histórico de tramitação de processos na Justiça do Trabalho é de 2 a 3 anos, conforme dados oficiais divulgados pelo TST1.
Dessa maneira, visto que a tese fixada pelo TST terá maior impacto sobre débitos objetos de ações em fase de execução, a análise conjunta do Tema n° 1232 de Repercussão Geral do STF, que fixará tese sobre a possibilidade ou não de inclusão em cumprimentos de sentença trabalhistas de empresas que não participaram do processo de conhecimento, é de suma importância para entender o alcance dos efeitos do Tema n° 214 do TST.
Atualmente, o julgamento pelo STF se encontra suspenso, após o voto do Ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou a divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin, ambos favoráveis à possibilidade dessa inclusão.
Por outro lado, o relator, Ministro Dias Tofolli, foi acompanhado por Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux, entendendo ser imprescindível a participação das empresas na fase de conhecimento, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Segundo os votos que acompanharam o relator, o reclamante deve indicar na petição inicial as pessoas jurídicas contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses do grupo econômico devidamente comprovado. São exceções a este entendimento as hipóteses de sucessão empresarial, abuso da personalidade jurídica, os casos já transitados em julgado, créditos já satisfeitos e execuções já encerradas.
Considerando que o TST defina pela aplicação retroativa da Reforma Trabalhista quanto ao conceito de grupo econômico, e o STF defina não ser necessária a participação de empresas no processo de conhecimento para inclusão na fase de cumprimento de sentença, essas empresas que passaram a fazer parte dos grupos econômicos poderão ser responsabilizadas por débitos já em execução, referentes a contratos de trabalho antigos e anteriores à vigência da Lei, já majorados por correção monetária, multa e juros de mora. Caso entenda pela necessidade, por sua vez, a aplicação do Tema n° 214 do TST se restringirá a ações que ainda não transitaram em julgado, reduzindo, mas não esvaindo, o tamanho do impacto.
Portanto, o cenário mais gravoso para as empresas ocorrerá se o TST decidir pela retroatividade e o STF admitir a inclusão de empresas na execução independentemente de terem participado da fase de conhecimento. Nesse caso, empresas que não provisionaram tais valores poderão ser compelidas a arcarem com as dívidas trabalhistas de outras empresas, acrescidas de altos encargos, relativos a direitos consumados anteriormente à Reforma Trabalhista e pelos quais antes não havia responsabilidade pelo pagamento, tampouco provisionamento contábil.
Conclusão
Ante o exposto, conclui-se que a pacificação do Tema n° 214 é indispensável para a previsibilidade e segurança jurídica, pois a ausência de uniformização impede que as empresas dimensionem adequadamente seus riscos e provisionamentos, afetando as gestões financeiras e estratégicas, podendo lhes gerar prejuízos irreparáveis. Deve-se, ainda, ser feita com urgência logo após apreciadas as manifestações apresentadas por terceiros advindas do edital publicado, pois não houve determinação de suspensão dos processos que versem sobre o tema.