Sandbagging e o Locked-Box em Operações de M&A 

Mariana Cruz de Souza e Matheus Melo Eschipio
Mariana Cruz de Souza e Matheus Melo Eschipio

Introdução 

Este artigo tem por objetivo explorar a complexa interação entre as cláusulas de sandbagging e os mecanismos de definição de preço, com foco no modelo de locked-box, em operações de Fusões e Aquisições (“M&A”). Será analisado como a permissão para que o comprador busque indenização por quebras de garantias, mesmo tendo conhecimento prévio delas, impacta a alocação de riscos e a negociação do valor final da transação, contrastando as dinâmicas dos modelos de ajuste de preço pós-fechamento (completion accounts) e de preço fixo (locked-box). 

Dentro de uma operação de M&A, os mecanismos de ajuste de preço se destacam pelo seu potencial litigioso. E por outro lado, crescem no mercado as discussões envolvendo Sandbagging em M&As. 

As cláusulas de Sandbagging são aquelas que preveem que, independentemente do conhecimento prévio do comprador a respeito de condição da empresa vendida, caso seja identificada condição divergente pós closing, sobretudo no que tange a negociações e obrigações paralelas, é lícito que seja exigida indenização do vendedor. 

Tais cláusulas promovem discussão na área de M&A a respeito da boa-fé objetiva do vendedor para com as condições inerentes do negócio, uma vez que, a definição de Sandbagging parece inferir que há ocultação de obrigações ou características do negócio, que podem afetar o novo proprietário da empresa adquirida. 

Ocorre que, na prática, a responsabilização por tais condições é dotada de maior complexidade, uma vez que inúmeros são os cenários possíveis para ensejar a indenização. Dessa forma, é ponderado às partes considerar que a existência dessa obrigação condicionada a outros eventos pode afetar o valor a ser dado a título de remuneração pela compra da empresa. 

A precificação do negócio  

Em uma operação de M&A, uma das etapas do processo é a precificação do negócio a ser firmado (valuation). Nessa fase, é quando as partes discutem a respeito do preço a ser pago pela compra e venda do negócio, considerando que o preço é produto multifatorial da operação, pois depende de características como: os passivos da empresa, as obrigações paralelas que compõe como parte, o seu rendimento comercial, a auditoria realizada, entre outros. 

Para isso, um dos mecanismos utilizados para que seja possível precificar o negócio, é o chamado “Locked Box”. Nele, as partes concordam em um valor que tem como base as demonstrações financeiras da empresa objeto, apresentadas na negociação, e concordam que não haverá ajuste de preço após o fechamento do negócio. Nele, caso haja diferença de preço após o fechamento da operação, recairá a obrigação de indenização ao negócio, visando minorar os prejuízos da parte afetada. 

Além dele, pode-se também optar por utilizar o mecanismo denominado “Completion Accounts”, através do qual não é estipulado preço fixo pelas partes antes da conclusão do negócio, mas sim uma estimativa. Nesse mecanismo, o preço é apresentado por uma das partes à outra, e eventuais diferenças são liquidadas por ajuste de preço.1 

Sandbagging e sua relação com o ajuste de preço da operação 

No mesmo contexto de precificação da operação, a cláusula de Sandbagging relaciona-se diretamente com o preço pelo qual será acordada o processo de Fusão ou Aquisição da Empresa em questão. Isso porque, está diretamente ligada com a auditoria, etapa por meio da qual o vendedor disponibiliza dados e informações sobre a empresa ao comprador geralmente trata-se de condição obrigatória para que o negócio seja firmado. 

Através de tais informações, o vendedor, ainda, durante a etapa de negociação e pré closing, promove uma série de declarações e garantias sobre o negócio a ser firmado que afetariam diretamente o preço. Dentre essas declarações, por exemplo, pode-se citar a existência de algum processo no qual a empresa constitua polo passivo, relações com outras empresas do ramo, etc. 

Ocorre que, no caso do mecanismo de ajuste de preço de Locked box, por exemplo, no qual, ainda com o consentimento prévio do comprador a respeito dessas condições, antes de fechar o negócio, ele decide por prosseguir com a operação e, após o closing, exige-se do vendedor, o pagamento de indenização sobre as condições da negociação, tendo em vista que elas prejudicaram o comprador de alguma forma. 

Em teoria, considerando o fornecimento de tais declarações e garantias, ao identificar a existência de característica considerada desfavorável ao vendedor, esses ajustariam o preço de aquisição da empresa em questão.  

Ainda, a problemática recai no fato de que a multa, que possui natureza indenizatória e, portanto, tem a função de promover reparação à parte atingida pelos efeitos provenientes da condição, costuma possuir valor considerável ao vendedor. 

A despeito da discussão sobre a boa-fé, o fato é que a existência da cláusula de Sandbagging relaciona-se sensivelmente com o valor da operação. E, uma vez presente no contrato, é sabido que terá que ser discutida entre as partes. 

Sendo assim, é ponderado que haja uma negociação a respeito de seu valor, uma vez que não há como garantir que tal recurso será utilizado, ou, ainda, como alternativa, as partes podem refletir sobre a redução do preço da operação, de forma que os prejuízos a ambos sejam minorados. 

Conclusão: 

A interação entre as cláusulas de sandbagging e os mecanismos de preço trata-se de um dos pontos mais estratégicos e delicados em uma negociação de M&A. Em suma, a escolha do modelo de precificação — Completion Accounts ou Locked-Box — altera fundamentalmente o papel e a relevância da cláusula de sandbagging. 

Em uma estrutura de Completion Accounts, o sandbagging atua como uma camada adicional de proteção para o comprador. Mesmo que certas contingências sejam refletidas no ajuste de capital de giro pós-fechamento, a cláusula de sandbagging permite que o comprador busque uma indenização separada por quebra de garantia, criando um duplo canal para recuperação de perdas. 

Contudo, é no modelo de Locked-Box que a cláusula de sandbagging revela sua maior potência. Como o preço é fixo e não há ajuste por performance, o comprador assume o risco operacional da empresa desde a data-base. Se ele descobre uma quebra de garantia que não se qualifica como leakage (por exemplo, a perda iminente de um cliente importante que não envolveu uma saída de caixa para o vendedor), a cláusula de sandbagging se torna seu principal, e talvez único, recurso para buscar uma compensação financeira pós-fechamento. Sem ela, o comprador ficaria desprotegido contra riscos conhecidos que não se enquadram nas regras de vazamento de valor. 

Portanto, a negociação em torno do sandbagging não é apenas uma discussão sobre boa-fé, mas uma definição explícita sobre a alocação de riscos. Um vendedor buscará inserir uma cláusula anti-sandbagging, forçando o comprador a levantar todas as questões antes do fechamento. Já o comprador verá na cláusula de sandbagging uma ferramenta essencial para preservar seu direito à indenização, especialmente em estruturas de preço fixo. 

Em última análise, a decisão de incluir, excluir ou modificar uma cláusula de sandbagging reflete o poder de barganha das partes e o nível de confiança na informação compartilhada. Para evitar litígios futuros, é imperativo que o contrato defina de forma clara e inequívoca o regime aplicável, garantindo que tanto comprador quanto vendedor compreendam plenamente os riscos que estão assumindo. 

Referências 

EY GLOBAL, Cinco considerações sobre contas de conclusão versus mecanismos de caixa bloqueada. Disponível em: https://www.ey.com/en_gl/insights/law/locked-box-vs-completion-accounts Acesso em 26 de agosto de 2025. 

 

 

 

 

 

 

 

Equipe relacionada

Mariana Cruz de Souza

Matheus Melo Eschipio

Mariana Cruz de Souza

Matheus Melo Eschipio