Debêntures Conversíveis em Ações: aspectos jurídicos e considerações para investidores
O mercado de valores mobiliários brasileiro oferece uma ampla gama de instrumentos voltados à captação de recursos e à diversificação de investimentos. Entre eles, as debêntures se destacam como uma das principais modalidades de valores mobiliários. Trata-se de título representativo de dívida assumida pela companhia emissora perante o investidor (tomador), constituindo importante mecanismo de financiamento empresarial. Por apresentarem prazo de vencimento e remuneração previamente estabelecidos, as debêntures são consideradas títulos de renda fixa, conferindo ao investidor maior previsibilidade quanto ao retorno do capital aplicado.
Dentro desse universo, notam-se as chamadas “debêntures conversíveis”, que conferem ao investidor o direito de converter o valor investido em ações da própria companhia emissora, nos termos estabelecidos na escritura de emissão da debênture. Dessa forma, a sociedade anônima capta recursos por meio da emissão desses títulos e, no momento oportuno, o investidor pode optar por receber o montante aplicado, total ou parcialmente, em ações, transformando-se de credor em acionista.
Natureza Jurídica das Debêntures Conversíveis
Para iniciar, é importante compreender a natureza jurídica das debêntures conversíveis. Nesse contexto, a posição ambígua dessas debêntures, situadas entre um título de dívida e uma espécie de “posição especial” no quadro societário da companhia, ensejou divergências entre os juristas. Parte da doutrina entende que as debêntures conversíveis funcionariam como um intermediário entre a debênture tradicional e as ações. Contudo, sob uma perspectiva estritamente jurídica, os efeitos societários só se concretizam quando da extinção da dívida (momento em que ocorreria a conversão). Por esse motivo, a conceituação como um título híbrido não se sustenta, sendo mais adequado reconhecer sua natureza como título de dívida, nos mesmos termos da debênture tradicional.
Legislação e Normas Aplicáveis às Debêntures Conversíveis
A principal norma reguladora das debêntures conversíveis é a Lei nº 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades por Ações (LSA). O capítulo V dessa legislação estabelece o regime jurídico aplicável às debêntures, tratando de aspectos como emissão, direitos dos titulares, circulação e outras regras essenciais à sua formalização e operação. No caso específico das debêntures conversíveis, a lei define com precisão os requisitos da escritura de emissão e as condições para o exercício do direito de conversão, especialmente no art. 57. Complementarmente, a Lei nº 4.728/65, que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento, também trata das debêntures conversíveis. Seu art. 44 estabelece condições para o exercício do direito de conversão.
Além disso, a LSA reafirma a possibilidade de conversão dessas debêntures em ações no art. 166, inciso III, que trata das hipóteses de aumento do capital social nas sociedades anônimas. É válido mencionar que, como as debêntures foram incluídas no rol do art. 2º da Lei nº 6.385/76, tanto as debêntures tradicionais quanto as conversíveis são consideradas valores mobiliários. Por consequência, estão sujeitas às normas e regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina aspectos como oferta pública, divulgação de informações e registro dos títulos, bem como às regras do Banco Central, quando aplicáveis, garantindo a conformidade no mercado de capitais.
Emissão das Debêntures Conversíveis e Impactos Societários
Pelas suas características próprias, as debêntures conversíveis possuem especificidades no processo deliberativo. Apesar de compartilharem semelhanças com as debêntures tradicionais quanto ao rito de criação e emissão, a possibilidade de transmutar em ações implica na necessidade de aprovação de aumento de capital social. Assim, o processo deve ser iniciado por deliberação em Assembleia Geral, ocasião em que as condições de conversão devem ser definidas, sendo a emissão dos títulos posteriormente formalizados pela escritura de emissão. Em relação à competência, ela é exclusiva da Assembleia Geral Extraordinária, salvo em relação às companhias abertas, as quais podem delegar a competência ao conselho de administração, no limite do capital autorizado.
Outro fator relevante é a necessidade de integralização parcial de capital social. O artigo 170, caput, da Lei 6.404/76 prevê a obrigatoriedade da integralização de, no mínimo, ¾ do capital social antes de promover qualquer tipo de aumento. Embora o dispositivo não mencione expressamente as debêntures conversíveis, essa obrigação se estende a elas, uma vez que a sua criação pressupõe a possibilidade de emissão de novas ações, configurando aumento de capital social no momento da conversão.
Aspectos Tributários das Debêntures Conversíveis
No âmbito tributário, incide Imposto de Renda sobre o retorno percebido pelo investidor nas debêntures conversíveis. A alíquota segue tabela regressiva aplicável, também, a outros títulos de renda fixa, conforme o prazo do investimento. As alíquotas são distribuídas da seguinte forma: (i) 22,5%, se até 180 dias; (ii) 20%, se de 181 a 360 dias; (iii) 17,5%, se de 361 a 720 dias; e (iv) 15%, se acima de 721 dias. Ademais, a Lei nº 12.431/11 trouxe alterações relevantes ao regime tributário, prevendo benefícios de isenção para as chamadas “debêntures de infraestrutura”, destinadas à captação de recursos para projetos de infraestrutura, bem como para aquelas voltadas a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, conhecidas como “debêntures de investimento”.
Benefícios e Riscos das Debêntures Conversíveis
As debêntures conversíveis apresentam características que podem ser consideradas vantajosas tanto para investidores quanto para empresas emissoras, embora também envolvam riscos que exigem análise cuidadosa. Do ponto de vista do investidor, um dos principais benefícios é a redução do risco, já que o título oferece duas formas de retorno: pagamento em dinheiro ou conversão em ações. Em caso de inadimplência, é possível optar por receber o valor investido em ações, em vez do pagamento em dinheiro. Já em situações de insolvência do emissor, o investidor inicialmente a ocupa posição de credor da massa falida, mas, ao converter suas debêntures em ações, passa a ter direitos e classificação distintos, o que exige ponderação sobre riscos e oportunidades em cada cenário.
Outro ponto positivo é a chance de transitar da renda fixa para a renda variável, por meio da conversão, permitindo que o investidor potencialize seus ganhos de acordo com seu perfil e estratégia de investimento. Entretanto, é importante observar que, ao contrário de outros títulos de renda fixa, as debêntures não são cobertas pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Por isso, o investidor deve analisar a saúde financeira da emissora antes de tomar sua decisão sobre o investimento, o que pode ser feito, por exemplo, consultando a nota de crédito atribuída por agências de classificação de risco, a fim de minimizar a exposição a possíveis perdas.
Sob a perspectiva das empresas emissoras, as debêntures constituem um método eficiente, consolidado e, muitas vezes, mais econômico de captar de recursos em comparação à obtenção de crédito junto a instituições financeiras, oferecendo maior flexibilidade e agilidade na gestão financeira.
Conclusão
As debêntures conversíveis se destacam no mercado de valores mobiliários brasileiro por combinar características de títulos de dívida com a possibilidade de conversão em ações, oferecendo aos investidores a oportunidade de reduzir riscos e, ao mesmo tempo, participar do crescimento do capital social da companhia emissora. Para as empresas, constituem um instrumento eficiente e geralmente mais econômico de captação de recursos, conferindo maior flexibilidade financeira em comparação a linhas de crédito tradicionais.
Do ponto de vista jurídico e regulatório, essas debêntures exigem atenção a regras específicas de emissão, aprovação em assembleia e integralização de capital social, estando sujeitas à LSA e às normas da CVM e do Banco Central. Além disso, aspectos tributários e financeiros, como a tributação regressiva e incentivos para debêntures de infraestrutura e inovação, reforçam a importância de uma análise cuidadosa do emissor e da estratégia de investimento, equilibrando oportunidades e riscos de maneira consciente.


