Artigo do sócio Lucas F. G. Bento e do associado João Vitor Calabuig Chapina Ohara é repercutido em site do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB)
1. Introdução
Em razão de elementos subjetivos, como partes de diferentes nacionalidades, ou objetivos, como o local de celebração e de prestação da obrigação, os contratos internacionais, diferentemente dos contratos nacionais que se submetem a um único sistema legal, caracterizam-se pela vinculação a mais de um ordenamento jurídico (ARAÚJO, 2011).
Em conformidade a esse conceito, Strenger (1992, p. 81) define contratos comerciais internacionais como: (…) todas as manifestações bi ou plurilaterais das partes objetivando relações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar de execução, ou qualquer circunstância que exprime um liame indicativo do Direito aplicável.
Em consequência da incidência de múltiplos ordenamentos jurídicos sobre uma mesma relação contratual, o foro de jurisdição ao qual o contrato internacional está submetido apresenta-se como uma problemática, visto que, por vezes, as normas de direito internacional privado de cada Estado podem ser conflitantes entre si (BÔAVIAGEM, 2012; BAPTISTA, 2011). Como forma de solução de tal impasse, a partes, em livre exercício da autonomia da vontade, podem estipular no contrato uma cláusula de eleição de foro, na qual se opta pela jurisdição de um determinado Estado, ou ainda, uma cláusula compromissória de arbitragem, a qual estabelece uma jurisdição privada como a competente para dirimir eventuais conflitos.
Benson (2000) aponta, no entanto, que entre 80% a 90% dos contratos comerciais internacionais optam pela cláusula compromissória, o que indica uma clara preferência pelo sistema jurisdicional arbitral. Tal preferência, por sua vez, justifica-se em razão dos incentivos econômicos impostos pelo sistema arbitral (BENSON, 2000), o qual traz vantagens não somente para as partes inseridas na relação contratual, como também para o desenvolvimento econômico da sociedade como um todo.
O presente texto pretende, dessa forma, apontar as razões econômicas que levam as partes a optarem pela submissão dos contratos comerciais internacionais à jurisdição arbitral. Para tanto, indicar-se-á inicialmente as vantagens da arbitragem observadas pelas partes contratantes, e, posteriormente, apontar-se-á o impacto do sistema arbitral no próprio desenvolvimento econômico da sociedade.
2. Vantagens Econômicas das Partes Contratantes
A escolha da jurisdição arbitral para os contratos comerciais internacionais muito se dá em razão dos benefícios econômicos que esse sistema privado de solução de conflitos pode proporcionar as partes contratantes. Apesar de o procedimento arbitral não ser em si mais econômico que a jurisdição estatal (MOSES, 2008), a arbitragem apresenta uma série de incentivos, como celeridade, especialidade e continuidade, que propiciam ganhos econômicos as partes contratantes (BROUDE e VAN AEKEN, 2016; e PUGLIESE e SALAMA, 2008).
Ao passo que o processo estatal é marcado por um formalismo exacerbado e um rito um procedimental enrijecido e estático, o sistema arbitral se caracteriza pela autonomia das partes, de forma que o procedimento se apresenta de forma mais flexível, ágil e informal, além de não estar sujeito a inúmeros recursos para instâncias superiores, o que inegavelmente confere maior celeridade ao julgamento da disputa1 . Entende-se, dessa forma, que a arbitragem, ao se mostrar mais célere e flexível, reduz o custo oportunidade das partes em relação ao tempo gasto em procedimentos estatais (PUGLIESE e SALAMA, 2008).
O sistema arbitral reduz também a probabilidade de erro nas decisões proferidas, vez que as partes, além de determinarem a legislação aplicável, escolhem os árbitros responsáveis pela condução do procedimento, de forma que podem optar por profissionais especialistas no tema da controvérsia (PUGLIESE e SALAMA, 2008). Nesse sentido, Broude e Van Aeken (2016, p. 8) explicam que: (…) A knowledgeable specialist can render a decision faster and with less information transfer from, and therefore less costs incurred by, the disputants. She is also less likely to make an error. Arbitration can thus reduce the uncertainty associated with judicial error and/or bias.
Além disso, a arbitragem, por ser uma jurisdição voluntária baseada na concordância das partes, apresenta um caráter menos conflitivo e mais cooperativo entre as partes quando comparado ao processo estatal, o que permite a manutenção de uma relação minimamente amistosa, bem como a continuidade de eventuais outras relações comerciais (BROUDE e VAN AEKEN, 2016).
Em relação especificadamente aos contratos comerciais internacionais, Moses (2008) aponta ainda mais duas vantagens relacionadas a aplicação do sistema arbitral: a neutralidade e a facilidade na execução.
Por ser tratar de uma relação contratual de caráter internacional, a eleição de um foro estatal é vista com receio entre os contratantes, pois “existe temor de que as cortes estatais favoreçam a parte nacional em detrimento da parte estrangeira” (PUGLIESE e SALAMA, p. 20, 2008). Nesse contexto, a arbitragem surge como um tribunal neutro e livre de eventuais capturas, visto que são as próprias partes que elegem os árbitros responsáveis, de forma que se privilegia a imparcialidade e a confiabilidade da sentença proferida (MOSES, 2008).
No mais, a homologação de um laudo arbitral internacional é, em regra, mais simples e célere do que o procedimento de homologação de sentença estatal estrangeira, tendo em vista que a Convenção de Nova York de 1958, a qual foi ratificada por mais de 140 países, estabelece um sistema pró execução arbitral, o que confere uma maior segurança jurídica e dinamicidade ao comércio internacional (MOSES, 2008).
Percebe-se, portanto, que a arbitragem, enquanto inserida no sistema de comércio internacional, age como um instrumento de redução de custos de transação, o que permite uma maior eficiência para partes contratantes, e por consequência, ganhos econômicos (BROUDE e VAN AEKEN, 2016).
3. Arbitragem e o Desenvolvimento Econômico
Para além dos ganhos auferidos pelas partes contraentes, a arbitragem desempenha também um importante papel no crescimento do comércio internacional, bem como no desenvolvimento econômico da sociedade como um todo. Em pesquisa empírica conduzida por Cayón, Correa e Espriella (2018), por exemplo, constatou-se que a utilização da arbitragem como meio de resolução de conflitos internacionais tem um efeito positivo no crescimento econômico da América Latina.
Cassella (1996) aponta, por sua vez, que a arbitragem está diretamente correlacionada a expansão do comércio internacional, visto que o sistema arbitral é capaz desenvolver uma base institucional indutora às trocas mercantis.
Em conformidade a isso, Fry (2011) ensina que a arbitragem, em razão de qualidades já mencionadas, como celeridade, especialização e neutralidade, apresenta-se como um importante parâmetro institucional de defesa da propriedade e de direitos contratuais, de forma que reduz os riscos atrelados ao sistema de comércio, incentiva o ambiente de negócios e promove o crescimento econômico.
McConnaughay (2013, p. 15) nota, também, que a arbitragem desempenha um papel ainda mais importante no sistema econômico de países em desenvolvimento, pois “private arbitration can help provide the legal environment essential to economic development and prosperity even during the period before the public legal institutions fully develop and mature”.
O sistema arbitral, nesse sentido, além de induzir o desenvolvimento de bases institucionais pró-comércio, também é capaz de integrar países ainda em desenvolvimento no sistema de comércio internacional.
4. Conclusão
Assim como apontado por Benson (2000), entende-se que a massiva presença de cláusulas compromissórias em contratos comerciais internacionais se da em razão dos incentivos econômicos impostos pelo sistema arbitral. Enquanto as partes contratantes auferem ganhos econômicos, pois tem seus custos de transação reduzidos, a sociedade como um todo se beneficia de uma maior integração do comércio internacional e do crescimento econômico atrelado a isto.
É inegável, portanto, o papel econômico desempenhado pelo sistema arbitral, o qual, além de um método privado de resolução de disputas, pode ser utilizado também como instrumento de política pública de incentivo ao ambiente de negócios.
5. Referências
ARAÚJO, Nadia. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
BAPTISTA, Luiz Olavo. Contratos Internacionais. São Paulo: LexMagister, 2011.
BENSON, Bruce L. Arbitration. Encyclopedia of Law and Economics, Chelthenham, vol. 5, pp. 159-193, 2000.
BÔAVIAGEM, Aurélio Agostinho. Contratos Internacionais de Comércio: A Escolha da Lei Aplicável no Âmbito do Mercosul. Dificuldades. Reforma. Revista Acadêmica, vol. 84, pp. 131- 174, 2012.
BROUDE, Tomer e; VAN AAKEN, Anne. Arbitration from a Law & Economics Perspective. University of St. Gallen, Law & Economics Research Paper Series, Working Paper n° 2016- 07, pp. 1-25, out., 2016.
CASSELA, Alessandra. On market integration and the development of institutions: The case of international commercial arbitration. European Economic Review, vol. 40, n° 1, pp. 155-186, 1996.
CAYON FALLON, Edgardo; CORREA, Juan Santiago e; ESPRIELLA, Lina de la. Does International Arbitration Affect Economic Growth in Latin America? WSEAS Transactions on Business and Economics, vol. 15, pp. 505-511, nov., 2018.
FRY, Jason. Arbitration and Promotion of Economic Growth and Investment. European Journal of Law Reform, vol. 13, n° 3-4, pp. 388-396, 2011.
MCCONNAUGHAY, Philip J. The Role of Arbitration in Economic Development and the Creation of Transnational Legal Principles. Peking University Transnational Law Review, vol. 1, n° 1, pp. 9-31, 2013.
PUGLIESE, Antonio Celso Fonseca e; SALAMA, Bruno Meyerhof. A Economia da Arbitragem: Escolha Racional e Geração de Valor. Revisa de Direito GV, São Paulo, vol. 7, pp. 15-18, jan – jun, 2008.
MOSES, Margaret L. The Principles and Practice of International Commercial Arbitration. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais de Comércio. 2ª ed. São Paulo: RT, 1992
1 A liberdade das partes é tamanha que o art. 23, da Lei n° 9.307/96, permite a estas, inclusive, a estipulação de um prazo a ser observado pelo procedimento arbitral, e na falta dessa estipulação, o prazo de prolação da sentença estará limitado a apenas seis meses.