Mecanismos de Proteção de Acionistas Minoritários em Fusões e Aquisições
Introdução
No cenário corporativo contemporâneo, as fusões e aquisições (M&A) emergem como movimentos estratégicos cruciais para o crescimento e reestruturação de companhias. No entanto, esses processos podem gerar riscos significativos para acionistas minoritários, que frequentemente se encontram em uma posição de vulnerabilidade diante de decisões tomadas por acionistas controladores. A legislação brasileira, especialmente a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) (LSA)1, prevê uma série de mecanismos para proteger esses minoritários, que serão explorados nos tópicos seguintes2, sem que o assunto seja esgotado, mas elucidando alguns mecanismos interessantes aos olhos do negociador.
Tag Along
Um dos mecanismos de proteção mais relevante é o direito de “tag along”, estabelecido pelo art. 254-A da LSA3. Esse direito assegura que, em caso de alienação do controle da companhia, o preço de compra das ações dos minoritários corresponderá a, no mínimo, 80% do valor pago pelo adquirente por ação integrante do bloco de controle4.
Esse instituto jurídico assegura que, em uma operação de venda de controle da companhia, os minoritários possam se beneficiar da mesma valorização obtida pelos majoritários. Ao garantir o direito de vender suas ações em conjunto com o bloco de controle, o “tag along” evita que os acionistas minoritários sejam forçados a se tornarem acionistas de um adquirente indesejado ou que percam a oportunidade de realizar uma boa venda de suas participações.
Em algumas situações, especialmente em companhias listadas em segmentos especiais de governança corporativa, como o Novo Mercado da B3, a oferta deve ser idêntica para todos os acionistas, garantindo uma paridade ainda maior5. Este direito de co-venda é, assim, uma forma de socialização parcial ou total do prêmio de controle, buscando equilibrar as relações de poder dentro das sociedades anônimas e reduzir potenciais abusos por parte dos controladores.
Contudo, a aplicação do “tag along” não é absoluta e pode ser modulada pela vontade das partes envolvidas. Os estatutos sociais, contratos de acionistas e acordos societários podem estabelecer condições mais favoráveis aos minoritários, como a extensão desse direito a ações preferenciais sem voto ou o aumento do percentual de 80% para 100%. Essa flexibilidade estatutária permite que o desenho da governança da companhia seja moldado conforme os interesses dos diversos investidores, criando mecanismos adicionais de proteção aos minoritários que vão além do texto da lei6.
A importância do “tag along” é evidente em um ambiente de mercado onde as operações de fusões e aquisições estão dando sinais de retomada no ano de 2024, e onde o controle de companhias abertas pode ser transferido de forma direta ou indireta, envolvendo múltiplas jurisdições e estruturas societárias complexas7. A ausência de um “tag along” robusto pode resultar em uma significativa desvalorização das ações dos minoritários com fatores nocivos para o ambiente de negócios.
Cláusulas de Lock-up e Poison Pills
A cláusula de “lock-up” é amplamente adotada em cenários onde a permanência de determinados acionistas é essencial para o desenvolvimento do objeto social da companhia ou quando esses acionistas detêm um know-how específico e vital para a atividade empresarial.
Sua principal finalidade é garantir a estabilidade da estrutura societária ao vedar a entrada de terceiros na companhia e a transferência de ações ou quotas entre os próprios acionistas por um período pré-estabelecido. Essa restrição é especialmente útil em momentos críticos, como nos primeiros anos de operação da companhia, durante fases de expansão ou quando há necessidade de consolidação do negócio8.
Ao restringir a possibilidade de saída ou entrada de acionistas, a cláusula de “lock-up” promove a manutenção de um corpo societário coeso e alinhado, evitando que a companhia perca talentos estratégicos ou enfrente a entrada de investidores que possam não compartilhar a mesma visão ou objetivos de longo prazo.
Além disso, a cláusula de “lock-up” também pode estabelecer que os acionistas sejam impedidos de se retirarem da companhia até que determinadas metas sejam atingidas. Essa restrição atua como uma proteção à companhia contra saídas abruptas que possam desestabilizar suas operações ou a execução de seu plano de negócios9. Ao criar um compromisso de permanência, os acionistas se veem incentivados a trabalhar coletivamente para alcançar os objetivos empresariais traçados.
Assim, a cláusula de “lock-up”, quando bem desenhada e aplicada, não só protege a companhia e seus acionistas contra a instabilidade societária, mas também atua como uma proteção indireta aos acionistas minoritários ao criar uma proteção contra diluições injustas, com saídas repentinas dos acionistas controladores, reduzindo os riscos de volatidade e surpresas estatutárias.
Já a cláusula conhecida como “poison pill” foi desenvolvida como uma defesa estratégica contra aquisições hostis. Inserida no estatuto social de companhias abertas, essa cláusula visa dificultar ou até impedir que um potencial adquirente obtenha o controle da companhia de forma unilateral ou indesejada. A “poison pill” impõe condições que tornam a aquisição muito onerosa ou menos atrativa, ao exigir, por exemplo, que o comprador pague um valor substancialmente superior ao preço de mercado das ações para adquirir a totalidade da companhia10.
Essa cláusula protege os acionistas minoritários, pois o adquirente, caso deseje continuar com a operação, será forçado a comprar suas ações por um valor significativamente superior ao que esses acionistas receberiam em uma venda ordinária. Esse mecanismo é eficaz para manter a independência da companhia e garantir que qualquer mudança de controle ocorra apenas de maneira consensual, com condições justas para todo o corpo acionário.
No entanto, ambas as cláusulas também têm o potencial de prejudicar acionistas minoritários, criando conflitos de interesse e limitando suas opções em processos de M&A. Para evitar que essas medidas sejam utilizadas de forma abusiva, é necessário um equilíbrio regulatório que assegure a proteção contra aquisições predatórias sem comprometer os direitos dos minoritários11.
Direito de Recesso
O direito de recesso é um dos principais instrumentos de proteção oferecidos aos acionistas minoritários no Brasil. Previsto na LSA., em seu art. 13712, permite que os minoritários se retirem da companhia em determinadas operações de reorganização societária, recebendo, em contrapartida, o reembolso correspondente à sua participação. Esse direito visa proporcionar uma saída adequada para aqueles que não concordam com as mudanças estratégicas que alterem significativamente a estrutura ou controle da companhia.
Este mecanismo também é previsto no Código Civil, nos arts. 1.029 e 1.07713, respectivamente, no que tange a sociedades simples e sociedades limitadas, previsões estas que abordam situações específicas e limitadas da possibilidade de retirada do acionista.
Direito de preferência
O direito de preferência, previsto no art. 109 da LSA14, preserva aos acionistas a preferência em casos de aumento ou subscrição do capital social da companhia, podendo ser estatutária ou parassocialmente refletido para as hipóteses de venda das ações por um dos acionistas, ou seja, garantindo-lhes a prioridade em certas operações estratégicas da companhia.
Esse direito assegura que, diante da intenção de um acionista de vender suas participações, os demais acionistas tenham a oportunidade de adquiri-las antes que sejam oferecidas a terceiros. Esse dispositivo preserva a coesão da companhia, evitando a entrada de novos acionistas que possam desequilibrar a dinâmica interna ou os objetivos estratégicos da companhia.
Na prática, a aplicação do direito de preferência exige que o acionista que deseje alienar suas cotas ou ações notifique formalmente os demais, concedendo-lhes a oportunidade de exercer esse direito em condições equivalentes às oferecidas a terceiros. Isso proporciona uma camada adicional de proteção aos demais acionistas, impedindo que decisões unilaterais possam comprometer a composição societária ou a gestão da companhia15.
Embora esse direito seja uma exigência legal sua efetividade depende da elaboração de regras claras e detalhadas nos documentos societários, como o estatuto social ou o acordo de acionistas. A legislação, por si só, não oferece um nível suficiente de especificidade, o que pode levar a disputas entre os acionistas. Por isso, é crucial que esses documentos prevejam de forma minuciosa os procedimentos a serem seguidos, incluindo prazos, forma de notificação e critérios de avaliação das ações, evitando ambiguidades que possam gerar conflitos e litígios.
Ao criar regras específicas para a aplicação do direito de preferência, a companhia garante maior segurança jurídica e transparência nas relações entre os acionistas, além de mitigar potenciais imbróglios que poderiam comprometer o bom andamento da companhia.
Conclusão
A proteção eficaz dos acionistas minoritários tem implicações diretas para o ambiente de negócios no Brasil. Um mercado que assegura direitos equitativos tende a atrair mais investidores, especialmente estrangeiros, interessados em um ambiente regulatório robusto e transparente. Do contrário há risco de aumento no número de litígios, o que pode encarecer e desestimular investimentos.
Os mecanismos de proteção aos acionistas minoritários em fusões e aquisições são cruciais para a saúde do mercado de capitais brasileiro16. Embora o arcabouço jurídico atual ofereça diversas salvaguardas, como as apresentadas, a aplicação prática desses direitos e a resolução de conflitos continuam a apresentar desafios significativos. A evolução da regulação e a adaptação às necessidades de um mercado em constante transformação são essenciais para garantir que o Brasil continue a ser um destino atraente para investimentos.
Referências Bibliográficas
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