Governança Corporativa em Empresas Familiares de Capital Aberto 

Yasmin Peixoto Braga

1. Introdução

As empresas familiares desempenham um papel significativo na economia global e brasileira, sendo responsáveis por uma grande parcela dos negócios e da geração de empregos. No entanto, quando essas empresas decidem abrir capital, elas enfrentam desafios específicos, especialmente no que diz respeito à governança corporativa. A conciliação entre os interesses da família controladora e as exigências dos investidores do mercado de capitais é um processo que requer estruturação adequada para garantir o sucesso e a longevidade da companhia.

2. Conflito de Interesses e Separação entre Família e Empresa

Em empresas familiares, os papéis de proprietário, gestor e acionista costumam estar profundamente entrelaçados. Essa sobreposição pode gerar conflitos de interesse, especialmente quando a empresa abre capital e passa a ter novos acionistas, que não pertencem ao círculo familiar. Tais investidores esperam uma gestão profissionalizada e decisões que levem em consideração os interesses de todos os acionistas, não apenas os da família controladora1.

A falta de distinção clara entre os interesses da família e os da empresa pode prejudicar a governança corporativa e o desempenho da companhia no mercado de capitais. Investidores externos tendem a avaliar com cautela companhias em que as decisões empresariais podem ser influenciadas por questões familiares, como a sucessão ou a alocação de recursos2.

Isso pois, o longo tempo de interação entre os membros da família torna a companhia, em geral, menos propensa a adoção de mecanismos formais na condução do negócio, o que explica a menor dependência de estruturas de governança quando a empresa é gerenciada por membros de uma única família.

No entanto, uma pequena parcela dessas empresas consegue sobreviver no mercado e escapam de falência ou aquisição pela concorrência, diante da inegável inabilidade em solucionar conflitos internos, perpetuados pelas relações familiares. Por isso, a adoção das práticas de governança corporativa despertou fortemente o interesse das empresas familiares, a fim de preservar sua continuidade e regular gestão3.

Dessa forma, um dos desafios mais evidentes nas companhias familiares é a concentração de poder em seletos membros controladores, que muitas vezes detém a maioria das ações com direito a voto. Isso pode limitar a participação ativa de acionistas minoritários, de dentro ou fora do círculo familiar, e comprometer a equidade nas deliberações corporativas.

A fim de minimizar esse risco, muitas empresas familiares vêm adotando estruturas de governança que asseguram a participação mais ativa de acionistas minoritários, principalmente por meio de atuação de conselheiros independentes no conselho de administração e demais órgãos de governança4.

Tal fato se dá, pois, o conflito de interesses pode surgir com frequência em empresas familiares, especialmente quando membros da família ocupam posições-chave na administração. Nesses casos, há o risco de que decisões sejam tomadas com base em interesses pessoais ou familiares, em vez de priorizar o melhor interesse da empresa e dos acionistas.

Isso pode envolver a contratação de familiares para cargos de liderança sem a devida qualificação, o uso de recursos da empresa para benefícios privados ou a priorização de objetivos familiares em detrimento da estratégia corporativa. A ausência de mecanismos de controle e a concentração de poder na família podem agravar essa situação, prejudicando a confiança dos investidores e, eventualmente, o desempenho da companhia.

Para mitigar esses riscos, é essencial que as empresas familiares adotem políticas de governança claras que disciplinem a tomada de decisões e estabeleçam critérios objetivos para evitar que os interesses pessoais interfiram na gestão5. Ademais, é essencial que a empresa crie mecanismos formais interna corporis, como acordos de acionistas e políticas claras de conflito de interesse, para evitar a concentração de poder e garantir a proteção dos acionistas minoritários6.

3. Sucessão e Continuidade da Gestão Familiar

A sucessão é um dos pontos mais delicados em empresas familiares, especialmente quando a empresa abre capital. A transição de liderança de uma geração para outra pode impactar diretamente a confiança do mercado e o desempenho da companhia. Planejar a sucessão de forma clara e estruturada é fundamental para evitar rupturas que comprometam o valor da empresa.

Estudos mostram que a maioria das empresas familiares não consegue sobreviver além da terceira geração, em grande parte devido à falta de planejamento sucessório adequado. Quando o processo de sucessão é malconduzido, surgem conflitos internos e instabilidade, que podem afastar investidores e prejudicar a governança corporativa7.

Um dos principais problemas é a ausência de critérios claros para a escolha dos sucessores. Muitas vezes, a sucessão é baseada apenas no vínculo familiar, e não nas qualificações técnicas e na experiência do herdeiro. Isso pode levar à nomeação de líderes despreparados, o que prejudica a gestão e mina a confiança dos acionistas externos8.

Para mitigar esses riscos, empresas familiares que decidem abrir capital devem formalizar planos de sucessão que envolvam tanto a família quanto os acionistas. Um plano de sucessão bem estruturado deve incluir o desenvolvimento de futuros líderes, o treinamento de herdeiros e a participação ativa do conselho de administração para garantir que a transição ocorra de forma equilibrada e alinhada aos interesses da companhia.

4. Governança Familiar e o Papel do Conselho de Administração

Conforme acima delineado, o conselho de administração desempenha um papel crucial na governança de empresas familiares que abriram capital. A partir do momento em que a empresa passa a contar com acionistas externos, o conselho precisa atuar de forma independente, garantindo que as decisões sejam tomadas em benefício de todos os acionistas, e não apenas dos membros da família controladora​9.

Nas empresas familiares de capital aberto, um conselho de administração bem estruturado deve ser composto por uma “mistura” de membros familiares e conselheiros independentes. Os conselheiros independentes trazem uma visão objetiva e imparcial para as deliberações, minimizando os riscos de conflitos de interesse e ajudando a alinhar os interesses da família com os dos investidores​10.

Além disso, o conselho deve ser responsável por garantir a continuidade das práticas de governança, estabelecendo políticas claras para a gestão da empresa. Isso inclui a definição de processos para a escolha de novos conselheiros e executivos, a criação de comitês especializados, como o comitê de auditoria e compliance, por exemplo, e a supervisão das decisões estratégicas da companhia11.

Outro papel fundamental do conselho é promover a transparência. Para que os investidores confiem na empresa, é essencial que o conselho de administração assegure que todas as informações relevantes sejam divulgadas de forma clara e tempestiva, isso pode incluir relatórios financeiros, previsões orçamentárias e/ou qualquer mudança significativa na governança ou estrutura da empresa12.

A criação de conselhos consultivos também pode ser uma ferramenta valiosa para as empresas familiares. Esses conselhos, que reúnem profissionais experientes do mercado, ajudam a orientar a família controladora e a gestão em questões estratégicas, garantindo que a empresa se mantenha competitiva e alinhada às melhores práticas de governança corporativa​.

Por fim, o conselho de administração deve estar preparado para lidar com eventuais conflitos familiares que possam impactar a governança da empresa. A formalização de regras e a criação de um ambiente de diálogo entre os membros da família e os acionistas são fundamentais para garantir a paz interna e a continuidade do negócio.

5. Conclusão

As empresas familiares que decidem abrir capital enfrentam desafios complexos, mas que podem ser superados com a adoção de boas práticas de governança corporativa. A separação clara entre os interesses da família e os da empresa, o planejamento sucessório e a estruturação de um conselho de administração forte e independente são passos essenciais para garantir a longevidade e o sucesso da companhia no mercado.

A governança eficaz, além de proteger os interesses dos acionistas minoritários, fortalece a empresa, garantindo sua competitividade e atraindo investidores que valorizam a transparência e a equidade nas decisões corporativas. Assim, as empresas familiares podem não apenas manter seu legado, mas também prosperar no ambiente desafiador do mercado de capitais.

Referências Bibliográficas

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