IOF em Foco: Recuo Político e Recalibragem com a MP nº 1.303/2025 e com o Decreto nº 12.499/2025

No último dia 11, o poder executivo federal publicou a MP nº 1.303/2025 que “Dispõe sobre a tributação de aplicações financeiras e ativos virtuais”, além do Decreto nº12.499/2025, que alterou algumas disposições do IOF. De forma mais detalhada, as medidas tratam de (i) aplicações financeiras, (ii) ganhos líquidos em bolsa, (iii) ativos virtuais, (iv) empréstimos de títulos e valores mobiliários, (v) fundos de investimento, (vi) títulos incentivados e (vii) investidores não residentes.
Ainda, a MP nº 1.303/25 também altera regras de tributação aplicáveis às pessoas jurídicas, incluindo o aumento das alíquotas (i) da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) para determinadas instituições financeiras e demais entidades reguladas e supervisionadas pelo Banco Central do Brasil e (ii) do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) incidente sobre a distribuição de juros sobre o capital próprio (“JCP”), (iv) bem como modifica as regras de compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.
A despeito das modificações formais trazidas, que apresentamos de forma resumida e estruturada em uma tabela ao final desse texto, vale retomar um pouco das movimentações recentes e analisar essas modificações em conjunto com a MP para entender o contexto de compensação de arrecadações no qual ela está inserida.
- Introdução: IOF, mudança de rota e nova estratégia de arrecadação
A proposta inicial de aumento do IOF, anunciada por meio de decretos com vigência imediata, gerou forte reação dos mercados. Um dos pontos mais sensíveis dizia respeito à elevação da alíquota sobre aplicações de fundos nacionais no exterior. Horas após o anúncio, o governo recuou parcialmente, revogando esse aumento específico — medida que, segundo estimativas, reduziria o potencial arrecadatório em cerca de R$ 1,4 bilhão.
Esse movimento de recuo parcial sinalizou uma mudança de estratégia. Em vez de insistir em aumentos lineares de IOF, o governo passou a trabalhar com ajustes seletivos e compensações por meio de outros tributos. Essa reorientação materializou-se na Medida Provisória nº 1.303/2025 e no Decreto nº 12.499, publicados em 11 de junho de 2025, e que propõem uma recalibragem das medidas anteriores e novas fontes alternativas de arrecadação.
As disposições normativas vêm para reequilibrar a carga fiscal e introduzir ajustes mais palatáveis do ponto de vista político e econômico.
Entre as medidas de recalibragem do IOF e compensação fiscal propostas, destacam-se:
- Redução do IOF Crédito para empresas;
- Redução de 80% na alíquota para operações de risco sacado;
- Redução do IOF sobre o seguro de vida com prêmio por sobrevivência (VGBL);
- Cobrança de alíquota mínima sobre Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC);
- Isenção de IOF no retorno de investimentos estrangeiros diretos no país, nos moldes já aplicáveis ao mercado de capitais;
Propostas para compensar a perda de potencial arrecadação
Com a opção por não seguir com os aumentos de IOF inicialmente previstos, o governo propôs medidas para compensar a potencial perda de arrecadação decorrente das mudanças nos decretos. Dentre as principais propostas, destacam-se:
- Tributação de criptoativos auferidos por residentes ou domiciliados no exterior (nos termos do art. 36 da MP nº 1.303/2025);
- Aumento da tributação de apostas eletrônicas (bets), agora quase no mesmo patamar de aplicações financeiras;
- Padronização e tributação uniforme de instrumentos do sistema financeiro;
- Fim da isenção para diversos títulos e valores mobiliários incentivados;
- Regras mais rígidas para compensação de créditos tributários e compensação de perdas no mercado financeiro;
- Reestruturação das alíquotas da CSLL para instituições financeiras;
- Unificação em 17,5% da alíquota de IR sobre aplicações financeiras;
- Aumento da alíquota do IR sobre juros sobre capital próprio (JCP) de 15% para 20%;
- Harmonização das regras de hedge no exterior às aplicadas em bolsa;
- Atualização legal das regras sobre aluguel de ações.
Em síntese, a MP nº 1.303/2025 representa uma estratégia de substituição de receitas, com menor desgaste político, buscando preservar arrecadação sem comprometer setores estratégicos.
- Destaques de principais medidas e impactos
- a) Redução do IOF Crédito para empresas
O Decreto nº 12.499 prevê a redução do IOF incidente sobre operações de crédito contratadas por pessoas jurídicas. A alíquota fixa do IOF foi reduzida de 0,95% para 0,38%, diminuindo o custo de capital para empresas e buscando estimular o ambiente de negócios e investimentos. A mudança tem efeito direto no custo das operações financeiras de capital de giro, investimentos e reestruturação de passivos empresariais.
- b) Redução do IOF sobre operações de risco sacado
O Decreto nº 12.499 extingue a alíquota fixa de 0,95% anteriormente cobrada sobre operações de risco sacado, mantendo apenas a cobrança da alíquota diária de 0,0082%. Essa operação ocorre quando uma empresa solicita a um banco que antecipe o pagamento de obrigações assumidas com fornecedores, com a quitação posterior à instituição financeira. A medida busca facilitar o acesso ao capital de giro e reduzir o custo financeiro dessas transações, especialmente em cadeias produtivas que dependem de liquidez imediata.
- c) Redução e reestruturação do IOF sobre seguros de vida empresarial (VGBL)
O Decreto nº 12.499 reestabelece a alíquota zero do IOF para os seguros de vida em grupo (empresariais), desde que o VGBL seja utilizado exclusivamente como instrumento previdenciário ou de proteção a empregados e sócios. Além disso, o limite de incidência foi alterado de R$ 50 mil mensais para R$ 300 mil até o final do ano, e R$ 600 mil anuais a partir de 2026, o que reduz o impacto para a cerca de 99% dos investidores.
- d) Mudanças na CSLL para instituições financeiras
A MP nº 1.303/2025 altera a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para fintechs e instituições de pagamento. Até então, essas entidades podiam recolher a contribuição à alíquota de 9%, 15% e 20%. A partir da nova norma, essa alíquota mínima é extinta, e todas passam a contribuir com 15% ou 20% — mesmo patamar das instituições de médio porte. A medida entra em vigor quatro meses após a publicação da MP e busca corrigir distorções no tratamento tributário entre fintechs e bancos tradicionais, que continuam sujeitos à alíquota de 20%.
- e) Fim da isenção de IR para títulos incentivados: nova alíquota de 5%
A MP nº 1.303/2025 cria a incidência de IRRF à alíquota fixa de 5% sobre diversos títulos e valores mobiliários que, até então, eram isentos:
- LCI e CRI (crédito imobiliário);
- LCA, CRA, CDCA e CPR com liquidação financeira (crédito agropecuário);
- LIG e LCD (letras do desenvolvimento e garantidas);
- Debêntures incentivadas para projetos de infraestrutura.
A alíquota incide sobre os rendimentos auferidos, independentemente do prazo da aplicação. Embora inferior à tributação usual da renda fixa (15% a 22,5%), representa perda de atratividade para investidores e impacto no custo de captação para emissores.
- f) Incidência de IRRF sobre aplicações financeiras e criptoativos
A MP nº 1.303/2025 amplia significativamente o escopo de incidência do IRRF ao prever, em seu art. 36, a tributação dos rendimentos de aplicações financeiras e ativos virtuais auferidos no País, tanto por residentes quanto por não residentes:
- Os rendimentos obtidos ficam sujeitos ao IRRF conforme as alíquotas aplicáveis às pessoas físicas residentes no Brasil;
- O imposto será definitivo, não admitindo qualquer forma de compensação de perdas ou deduções com outros rendimentos;
- Para os investidores domiciliados em jurisdições de tributação favorecida, aplica-se uma alíquota majorada de 25%;
- Especificamente para pessoas físicas, pessoas jurídicas isentas e optantes pelo Simples Nacional, os rendimentos com ativos virtuais (incluindo criptoativos e criptomoedas) passam a ser tributados à alíquota de 17,5%;
A nova sistemática afeta especialmente investidores e empresas que operam com estruturas digitais descentralizadas, exigindo atenção à classificação dos ativos, à identificação da jurisdição do beneficiário e ao cumprimento de obrigações acessórias específicas. A Receita Federal ainda deverá editar normas complementares para disciplinar esses aspectos.
- g) Reforço na tributação sobre apostas eletrônicas (bets)
A MP nº 1.303/2025 reforça a tributação das apostas eletrônicas sob dois aspectos principais:
- Imposto sobre os prêmios pagos:
- Prêmios individuais acima de R$ 2.000 pagos por plataformas de apostas ficam sujeitos ao IRRF, com alíquotas escalonadas conforme o valor e o tipo de aposta;
- Não será permitida a compensação com perdas de outras apostas.
- Aumento da carga tributária sobre a receita das plataformas:
- A alíquota incidente sobre a receita líquida das bets (apostas esportivas) sobe de 12% para 18%;
- Do total arrecadado, 6% serão destinados a ações na área da saúde;
- Essa medida entra em vigor quatro meses após a publicação da MP.
Cabe ressaltar aqui essa alíquota não interfere na tributação de renda IRPJ do regime propriamente adotado pela plataforma enquanto empresa.
- h) Unificação da alíquota do IR sobre aplicações financeiras: 17,5%
A MP nº 1.303/2025 também propõe uma importante mudança na sistemática de tributação dos rendimentos obtidos com aplicações financeiras. Atualmente, o Imposto de Renda incidente sobre esses rendimentos varia de acordo com o tipo de aplicação e o prazo de permanência dos recursos.
A nova proposta é unificar essas diferentes faixas em uma alíquota única de 17,5%, aplicável a todas as modalidades de aplicação financeira, com exceção das regras específicas para investidores estrangeiros, criptoativos e instrumentos incentivados já mencionados. Ademais o movimento de padronização pareça simplificador, ele retira incentivos dos fundos nacionais a manter aplicações de longo prazo. A nova alíquota entra em vigor a partir de janeiro de 2026.
- Conclusão: mudança de estratégia e necessidade de planejamento
A Medida Provisória nº 1.303/2025 introduz uma nova rodada de medidas fiscais que reconfiguram o ambiente de captação e investimentos no Brasil. Após o recuo parcial no aumento do IOF, a MP foi apresentada como uma estratégia de compensação, com foco em elevar a arrecadação por meio de novos instrumentos.
As medidas adotadas concentram-se no aumento do IRRF sobre aplicações financeiras e criptoativos, no fim da isenção para títulos incentivados, na reestruturação da CSLL para fintechs e na ampliação da carga tributária sobre plataformas de apostas, entre outras providências. Também propõem a unificação da alíquota do IR sobre investimentos a partir de 2026, o que exigirá ajustes operacionais por parte de instituições e investidores.
Em suma, as mudanças trazidas pela MP nº 1.303/2025 e pelo Decreto nº 12.499 não representam apenas uma recalibragem técnica, mas sim uma nova lógica de arrecadação. Setores afetados devem se alinhar com urgência às novas exigências e reavaliar estratégias de médio e longo prazo para garantir competitividade, segurança jurídica e conformidade fiscal.
Tabela comparativa com as mudanças trazidas
Categoria | Como era antes | Como fica com a MP/decreto |
LCI, LCA, CRI, CRA, LCD, LIG, debêntures infra | Isentas de IR para pessoas físicas | Passam a pagar IRRF de 5% sobre rendimentos (novas emissões a partir de 01/01/2026) |
CDB, RDB, debêntures, títulos públicos e privados, swaps etc. | IR regressivo de 22,5% a 15% | IRRF fixo de 17,5% |
Ações, opções, futuros e swaps listados (engloba Day Trade) | IR de 15% + isenção até R$ 20 mil/mês (vendas à vista) | IRRF fixo de 17,5% para ganhos. Isenção para vendas < R$ 60 mil/trimestre mantida |
Aluguel de ações (BTC) | IR de 15% (com base em entendimento da RFB) | IRRF de 17,5% direto pela clearing; tomador recebe líquido |
FIDC, FIA, FIM, ETFs de crédito/renda fixa | IR conforme regras gerais da renda fixa (regressiva) | IRRF fixo de 17,5% |
FIIs e FIAGRO | IR de 20% em alguns casos; dúvidas sobre bitributação | Distribuição com IRRF de 17,5%, podendo cair para 5% se for listado, houver 100 cotistas e não tiver PF ≥10%. Na venda de cotas, ganho a 17,5%. |
FIP-IE, FIP-PD&I e FIP-Infra | Isentos de IR | IRRF 5%; para PF, cotas emitidas até 31/12/25 preservam 0%. |
Juros sobre Capital Próprio (JCP) | IR de 15% | IR de 20% |
Criptoativos e tokens | Isenção em muitos casos; IR apenas no resgate | IRRF de 17,5% inclusive para residentes; 25% para paraísos fiscais |
Compensação de perdas financeiras | Restrita à renda variável | Permitida em todas as operações, válida por até 5 anos |
CSLL de fintechs | Alíquota de 9%, 15% ou 20% | Fim da alíquota de 9%; passa a ser 15% ou 20% |
Apostas eletrônicas (bets) – receita bruta | Taxa de 12% | Taxa de 18%; |
IOF – crédito PJ | 0,95% + diária de 0,0082% | 0,38% + 0,0082% ao dia (unificado) |
IOF – risco sacado | 0,95% fixo + 0,0082% ao dia | Apenas 0,0082% ao dia |
IOF – VGBL | 5% para aportes > R$ 50 mil/mês | Piso passa a ser R$ 300 mil até o final de 2025; R$ 600 mil/ano a partir de 2026. Taxa de 5% considera o excedente |
IOF – FIDC (cotas primárias) | Não havia incidência | 0,38% sobre aquisição primária, inclusive por bancos |