FIAGRO e FIDC em Foco: Novas Orientações Regulatórias pelo Ofício SSE/CVM 8/2025
Introdução
Em 17 de novembro de 2025, a Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou seu oitavo ofício circular anual, o Ofício-Circular SSE/CVM n° 8/2025, no qual prestou esclarecimentos importantes em relação à interpretação da autarquia em relação à Resolução CVM n° 175, de 23 de dezembro de 2022, conforme alterada (CVM 175), os quais orientações reforçam a necessidade de aderência regulatória e de boas práticas de governança pelas instituições que atuam no setor.
Em particular, o documento aprofunda pontos essenciais para a compreensão e aplicação das regras voltadas aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e aos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO), ajustando expectativas do mercado quanto a temas como equiparação regulatória, requisitos de registro de direitos creditórios, disciplina aplicável aos investimentos societários, governança na renúncia de administradores e responsabilidades dos gestores na verificação de lastro.
Além disso, o Ofício trata da possibilidade de fundos imobiliários investirem indiretamente em recebíveis por meio de cotas de FIDC, consolidando diretrizes relevantes para o mercado de capitais e para a estruturação de produtos financeiros.
FIAGRO: Equiparação de Cotas ao FIDC
O artigo 2° do Anexo Normativo VI à CVM 175, estabelece que os FIAGROs que tenham política de investimento em mais de 50% do seu patrimônio líquido sobre ativos que sejam abarcados por outras categorias de fundo devem atender também às disposições do anexo normativo que regula o tipo de fundo típico do ativo investido. Na prática, um FIAGRO que tenha mais de 50% do seu patrimônio líquido investido em direitos creditórios, deverá atender as disposições do Anexo Normativo VI (relativa aos FIAGROs) e ao Anexo Normativo II (relativa aos FIDCs).
Entretanto, conforme advertiu a SSE, para que exista a equiparação das cotas não basta a mera adequação ao Anexo Normativo II, a fim de atender o dispositivo supracitado, mas também que esteja expresso no regulamento tal política de investimento. Além disso, os limites de enquadramento do anexo normativo subsidiário, incluídos os limites por modalidade de ativo, aplicam-se também aos FIAGROs.
FIAGRO: Registro dos Direitos Creditórios Investidos
Em complemento ao item anterior, em relação ao registro dos direitos creditórios investidos, o Anexo Normativo VI da CVM 175 prevê dispensa da contratação de serviços de registro e custódia para FIAGRO destinados exclusivamente a investidores profissionais.
Entretanto, o Ofício afirma que essa dispensa não se aplica quando o FIAGRO, por força do art. 2º do Anexo VI, adota subsidiariamente o Anexo Normativo II — isto é, quando possui política que autoriza investir mais de 50% do PL em direitos creditórios. Isso porque, nesse caso, prevalece a disciplina própria dos FIDC, que exige o registro dos direitos creditórios e a contratação de entidade registradora ou custodiante.
Nesse sentido, em situações de sobreposição normativa, as regras de governança previstas para os FIDC — mais detalhadas e rígidas — prevalecem sobre a dispensa do Anexo VI.
Assim, somente FIAGROs que não possuam política de investimento que permita ultrapassar 50% em direitos creditórios poderão usufruir da dispensa. Aqueles que adotam políticas que justificam a aplicação subsidiária do Anexo II devem necessariamente seguir o sistema de registro típico dos FIDC.
FIAGRO: Investimento em participação societária
Ainda sobre os FIAGRO, o Ofício 8/2025 relembra, por força do artigo 29 do Anexo Normativo VI, a obrigatoriedade de observância do artigo 26 do Anexo Normativo IV (relativo aos Fundos de Investimento em Participações) para disciplinar as participações societárias detidas pelos FIAGROs.
A SSE afirma que essa remissão é integral e obrigatória para qualquer FIAGRO que invista em sociedades limitadas ou companhias fechadas, independentemente da modalidade do fundo ou do fato de ele seguir ou não o Anexo Normativo IV para outras matérias. Ou seja, independentemente da política de investimentos do FIAGRO, sempre que houver participação societária, deve-se observar esse conjunto de regras aplicáveis aos fundos de participação.
O entendimento reforça a coerência entre a finalidade do FIAGRO — que pode alcançar a cadeia produtiva do agronegócio de forma ampla — e a disciplina de governança exigida para investimentos societários.
FIAGRO: Renúncia do administrador
Finalizando o tratamento do FIAGRO, o Ofício aborda a renúncia do administrador do FIAGRO que detenha imóvel rural sob regime de propriedade fiduciária.
O art. 28 do Anexo Normativo VI à CVM 175 determina que, em caso de renúncia, o administrador deve permanecer no exercício de suas funções até a averbação, na matrícula do imóvel, da ata que elege o novo administrador e o substitui na titularidade fiduciária do bem.
A autarquia reconhece que podem existir dificuldades práticas nos procedimentos cartorários imobiliários, mas reforça que a permanência do administrador renunciante até a efetivação do registro é requisito legal e operacional essencial, cuja inobservância configura infração grave, conforme o art. 40 do próprio Anexo VI, evidenciando o caráter protetivo da norma e sua relevância para segurança jurídica das operações.
Isso porque, ao renunciar, o então administrador comunica sua vontade de cessar a prestação de serviços. Caso não permaneça em suas funções até que o registro seja efetuado no(s) cartório(s) competentes, o novo administrador terá dificuldades em (i) realizar o registro por conta própria e, principalmente, (ii) administrar o FIAGRO sem a propriedade fiduciária dos bens.
FIDC: Responsabilidade do Gestor pela verificação de Lastro
Neste ponto, o Ofício-Circular reforça a obrigação que recai sobre o gestor do FIDC, prevista no art. 36 do Anexo Normativo II: a verificação da existência, integridade e titularidade do lastro dos direitos creditórios adquiridos pelo fundo.
A SSE deixa claro que essa verificação não é meramente formal, devendo ser realizada no contexto das diligências de aquisição, adaptando-se à natureza dos diferentes tipos de créditos, de modo a garantir que o fundo não incorra em risco jurídico ou operacional por adquirir ativos sem respaldo efetivo.
Essa exigência ganha especial relevância quando aproximada da recente Operação Compliance Zero, deflagrada pela Polícia Federal em 2025, que apura a emissão de títulos de crédito no âmbito da liquidação extrajudicial do Banco Master.
Segundo a investigação, haveria criação de carteiras de crédito insubsistentes — isto é, ativos fictícios ou sem lastro econômico real — que teriam sido usados para emissão de títulos que circulavam no mercado com aparência de legitimidade.
A SSE, ao exigir uma diligência rigorosa, parece alinhar-se com as lições práticas derivadas dessa operação: a fragilidade de controles pode permitir que ativos fictícios sejam utilizados para estruturar títulos negociáveis ou até vendidos a outras instituições financeiras, o que é exatamente o tipo de prática que a PF investiga no âmbito da Compliance Zero.
Isso reforça a importância, para gestores de FIDC, de implementar e manter controles robustos no momento da aquisição dos direitos creditórios: análise documental, due diligence aprofundada, auditorias independentes, contratos bem redigidos e, eventualmente, mecanismos de garantia ou provisão para mitigar o risco de créditos inexistentes ou meramente simulados.
Adicionalmente, a SSE delimita a aplicação do art. 36 apenas aos direitos creditórios previstos na alínea “a” do inciso XII do art. 2º, não incluindo os valores mobiliários representativos de crédito (como debêntures ou notas comerciais, alínea “b”). Esse recorte é relevante porque evidencia que a norma regulatória espera um nível de diligência mais intenso para recebedores de crédito privado (direitos creditórios tradicionais), justamente onde o risco de lastro frágil ou fraudulento é mais pronunciado.
Por fim, à luz da operação Compliance Zero, a responsabilidade do gestor não é apenas técnica, mas também de governança: demonstrar para cotistas e para os órgãos reguladores que houve uma verificação concreta e eficaz do lastro, evitando que o FIDC se transforme em receptáculo de ativos simulados, de forma a comprometer a integridade do fundo e a confiança do mercado.
Possibilidade de FII investir em cotas de FIDC
No quinto ponto, a SSE expõe sua interpretação sobre o art. 40 do Anexo Normativo III, que elenca os ativos elegíveis à carteira de Fundo de Investimentos Imobiliários (FII). Segundo a autarquia, continua não sendo possível o investimento direto de FII em direitos creditórios ou recebíveis diretamente, mas há uma opção de investimento indireto. Isso porque, embora o dispositivo não autorize a aquisição direta de recebíveis imobiliários, ele permite o investimento em certificados de recebíveis (como CRI) e, de forma relevante, em cotas de FIDC.
Nesse sentido, a SSE esclarece que, para que o FII invista em cotas de FIDC, o fundo-alvo deverá ter política de investimento exclusivamente voltada às atividades permitidas aos FIIs, conforme determinação do art. 40, VII. Isso significa que o FIDC investido deve aplicar exclusivamente em direitos creditórios considerados imobiliários, bem como observar todos os demais requisitos aplicáveis à categoria, inclusive a definição legal de empreendimento imobiliário prevista na Lei nº 8.668/1993.
Assim, abre-se espaço para que o FII acesse recebíveis imobiliários por via indireta, preservando-se a aderência ao objeto imobiliário exigido em sua regulamentação.
Conclusão
O Ofício-Circular SSE/CVM nº 8/2025 contribui de forma significativa para a harmonização interpretativa da Resolução CVM nº 175, oferecendo maior segurança jurídica a gestores, administradores, estruturadores e investidores, de modo a reafirmar o compromisso da autarquia com a integridade do mercado e com a mitigação de riscos operacionais e regulatórios. As diretrizes reforçam, ainda, a importância de governança robusta no setor de securitização e agronegócio, especialmente à luz de eventos recentes que expuseram fragilidades no controle de lastro.
Nesse cenário, o Ofício não apenas esclarece procedimentos, mas estabelece parâmetros práticos que devem orientar a atuação dos participantes do mercado, fortalecendo a confiança nas estruturas de FIAGRO, FIDC e FII e promovendo maior transparência e eficiência regulatória.


