Tributação do Ganho de Capital em Incorporações de Ações

Yasmin Peixoto Braga

A incorporação é uma operação pela qual todas as ações do capital social de uma companhia são absorvidas por outra companhia, para convertê-la em subsidiária integral, segundo o artigo 252 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações)[1]. Por consequência, a incorporação não irá dar origem a uma nova sociedade, de forma que a incorporadora irá sucedê-la em todos os seus direitos e obrigações, diferentemente do instituto da permuta de ações, por exemplo.

Em linhas gerais, a incorporação de ações é representativa de aumento de capital da companhia incorporadora com a entrega de ações (parágrafo 3º do dispositivo acima citado), tendo como resultado prático que a companhia cujas ações foram incorporadas seja sua subsidiária integral, mantendo-se sua autonomia e independência da companhia incorporadora[2].

Por outro lado, não ocorre, na incorporação, uma alienação de ações, mas a agregação do patrimônio da companhia incorporada ao da incorporadora, com sucessão em todos os direitos e obrigações, havendo mera substituição das posições dos sócios da companhia[3], mas mantendo-se o número de ações de cada sócio.

Outrossim, este instituto requer a realização de uma avaliação econômica das ações das companhias envolvidas, implicando a aferição de seus respectivos valores atualizados de acordo com o mercado. Por vezes, no entanto, poderá ocorrer uma super valoração contábil das ações incorporadas, em vista do valor da sociedade incorporadora, alterando o valor de mercado da companhia incorporada[4], sem que haja, no plano real, alteração do valor das ações sob propriedade de cada sócio, ou seja, sem ganho de capital.

Tal fato, no entanto, torna-se o cerne da discussão a cerca da natureza tributária das operações de incorporação. Isso pois, a ocorrência da tributação ocorre sob eventos que agravam o património, desde que ele seja representativo da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, entendendo-se esta como acréscimo patrimonial[5]. Por outro lado, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem entendido que, diante da valorização das ações da companhia incorporadora, haveria um ganho de capital intrínseco ao sócio, ainda que suas ações permanecessem com o mesmo valor no momento da incorporação, pois serão vendidas com preço maior do que adquiridas[6].

Ainda que se possa imaginar que todo o Fisco acompanhe o entendimento do CARF acerca do tema, tal é sua controvérsia que nem mesmo os órgãos administrativos possuem consenso sobre a repercussão tributária da operação. Assim, enquanto a primeira vertente defende veementemente a sub-rogação da incorporadora nas ações da companhia incorporada, a segunda vertente, adotada em sua maioria pelas instâncias recursais do CARF, defende a incorporação como uma espécie de alienação, diante da valorização do preço de mercado das ações dadas em pagamento, ocorrendo acréscimo patrimonial tributável pelo ganho de capital.

Sem um consenso, o Fisco autua os acionistas da companhia incorporada, que, a depender da via que escolher recorrer, receberá um desfecho diferente. Conforme acima assinalado, enquanto o CARF defende a autuação sob justificativa de omissão de resultado de ganho de capital na declaração de IR, o Judiciário tende a posicionamento favorável ao contribuinte, observando a operação como instituto próprio do direito societário, voltado a concentração empresarial, distinto da alienação, e sem capacidade de gerar a incidência do IR, ainda que considerada a mais valia sob as ações, pois não houve ganho de capital concreto nas mesmas[7].

Os casos que mais recentemente que repercutiram acerca do tema são i) o posicionamento favorável do Poder Judiciário no processo de nº 5026528-67.2018.4.03.6100, julgado pela 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, o qual trata sobre a incorporação do Unibanco pelo Itaú, no qual o posicionamento foi favorável ao contribuinte, ainda no ano de 2020[8]; e ii) o processo de nº 10280.720107/2017-89, julgado pela 2ª Turma da Câmera Superior do CARF, que, por maioria, defendeu a autuação do contribuinte em R$ 27,4 milhões, incluindo multa e juros de mora, para o qual a Receita Federal imputou omissão quanto ao ganho de capital na operação[9].

Embora o CARF ainda insista na incidência de IR sob o ganho de capital nas operações de incorporação societária, não há como ignorar a notória confusão travada pelo mesmo, enquanto subtrai características intrínsecas a operação, que facilmente desmantelariam todo o entendimento, como a não transferência da universalidade do patrimônio à incorporadora, ocorrendo a sucessão universal e consequente desaparecimento da companhia incorporada, a não alteração do patrimônio real de cada sócio quando a distribuição idêntica a anterior ao aumento de capital para incorporação[10], entre outras características.

Fato é, inexiste aqui, fato gerador de tributo, ocorrendo, por conseguinte, a tributação sobre a propriedade, e não sobre a renda e proventos, gerando insanável inconstitucionalidade, de forma que o tema transborda a possibilidade de análise do CARF e demais órgãos fazendários, inviabilizando importantes reorganizações societárias e comparecendo como um obstáculo à efetividade deste instituto previsto pela Lei das Sociedades por Ações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] BRASIL. Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Brasília, 1976. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 13/12/2023.

[2] ROSA, Micheli. Análise dos Aspectos Contábeis e Fiscais nas Operações de Fusão, Cisão e Incorporação de Empresas. Monografia submetida à Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Contábeis. Santa Catarina, 2000. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/109233/CCN0046-M.pdf?sequence=1. Acesso em: 13/12/2023.

[3] XAVIER, Alberto. Incorporação de ações: natureza jurídica e regime tributário. In. CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coords.) Sociedade Anônima: 30 anos da lei 6.404/76. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

[4] SCANDIUZZI, Felipe Poltronieri. A Natureza Jurídica da Operação de Incorporação de Ações e a Eventual Caracterização do Ganho de Capital. Trabalho de conclusão do curso de LL.M. em Direito Societário pelo INSPER, 2021. São Paulo, 2021. Disponível em: https://repositorio.insper.edu.br/bitstream/11224/5235/1/FELIPE%20POLTRONIERI%20SCANDIUZZI%20-%20Trabalho.pdf. Acesso em: 14/12/2023.

[5] MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza: o imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética, 1996.

[6] BARBOSA, Ana Luísa Elias. A Tributação do Ganho de Capital na Operação de Incorporação de Ações: Análise da Jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. São Paulo, 2022. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/bitstream/handle/32791/1/Monografia%20-%20Ana%20Lu%c3%adsa%20Elias%20Barbosa_Ana%20Luisa%20Elias%20Barb.pdf. Acesso em: 04/12/2023.

[7] BARBOSA, Ana Luísa Elias. A Tributação do Ganho de Capital na Operação de Incorporação de Ações: Análise da Jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. São Paulo, 2022. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/bitstream/handle/32791/1/Monografia%20-%20Ana%20Lu%c3%adsa%20Elias%20Barbosa_Ana%20Luisa%20Elias%20Barb.pdf. Acesso em: 13/12/2023.

[8] BACELO, Joice. Contribuintes vencem na Justiça casos de incorporação de ações: decisões da Justiça Federal de São Paulo favorecem o Itaú Unibanco e acionistas da BRF. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/09/21/contribuintes-vencem-na-justica-casos-de-incorporacao-de-acoes.ghtml. Acesso em: 14/12/2023.

[9] BRASÍLIA. Conselho Administrativo de Recursos Financeiros. Brasília, 2019. Disponível em: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf?idAcordao=7670737. Acesso em: 14/12/2023.

[10] SCANDIUZZI, Felipe Poltronieri. A Natureza Jurídica da Operação de Incorporação de Ações e a Eventual Caracterização do Ganho de Capital. Trabalho de conclusão do curso de LL.M. em Direito Societário pelo INSPER, 2021. São Paulo, 2021. Disponível em: https://repositorio.insper.edu.br/bitstream/11224/5235/1/FELIPE%20POLTRONIERI%20SCANDIUZZI%20-%20Trabalho.pdf. Acesso em: 14/12/2023.

 

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