Ágio Interno e Empresas de Veículos

Gabriel José Bernardi Costa
Gabriel José Bernardi Costa

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou – em sede de embargos de declaração – a sua decisão sobre a possibilidade de dedução do ágio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL nas operações que empreguem uma empresa-veículo. A decisão fora originalmente proferida em setembro de 2023, nos autos do REsp. nº 2.026.473-SC e relatado pelo Min. Gurgel de Faria, mas, devido à apresentação de um recurso pela Fazenda Nacional, o tema ainda estava pendente de confirmação. 

O recurso manejado pela Fazenda Nacional foi rejeitado pela unanimidade dos ministros da Primeira Turma da Corte. Com isso, o STJ afasta as dúvidas que pairavam sobre esse tipo de operação, reafirmando a sua legalidade. 

O processo em questão refere-se a um Recurso Especial apresentado pela Fazenda Nacional contra decisão proferida pelo TRF4, que reconhecera a possibilidade de dedução do ágio numa operação que se utilizara de uma empresa-veículo. Em seu recurso, o Fisco reiterou o seu já conhecido entendimento segundo o qual não seria possível realizar a dedução do ágio decorrente de operações internas – isto é, entre sociedades empresárias dependentes – e mediante o emprego de “empresas-veículo”; porque tal operação seria destituída de propósito negocial, de modo que o ágio seria resultado de uma construção artificial e não a consequência de uma operação com efetivo propósito comercial. 

De certa maneira, o regime tributário do ágio é, desde a publicação do Decreto-Lei nº 1.598/77, um tema conhecido dos juristas nacionais. Por outro lado, os casos envolvendo as chamadas “empresas veículos” são mais recentes. Essas figuras são – nas operações de aquisições societárias – criadas pela própria entidade adquirente (normalmente uma empresa sediada no exterior) exclusivamente para a transferência do ágio. 

O Fisco tende a desconsiderar esse tipo de operação e – tal como nos autos do REsp. nº 2.026.473-SC – glosar as despesas de ágio, sob a fundamentação de que a empresa-veículo não poderia ser constituída exclusivamente com o objeto de gerar despesas dedutíveis, porque o real adquirente seria o responsável por desembolsar os valores da aquisição, não a empresa-veículo. 

Após o mencionado julgamento, a posição defendida pela Fazenda Nacional tornou-se mais frágil, uma vez que o STJ expressamente já afirmara e, agora, torna a reiterar que 1) é permitida a dedução do ágio quando a participação societária é extinta em razão de incorporação, fusão ou cisão (art. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97); 2) é permitida a dedução do ágio nas operações que empreguem “empresas-veículo”, por não haver proibição expressa no sistema jurídico. Segundo o STJ, a glosa dessas operações só seria admissível, caso o Fisco fosse capaz de efetivamente provar que a operação tenha 1) ocorrido entre partes dependentes; 2) que a aquisição tenha se dado sem efetivo ágio; 3) que a incorporação não ocorreu. 

Ou seja, o STJ deixa claro que o uso de empresas-veículo não deve ser presumido, à luz das normas anti-elisivas, como instrumento para criação artificial do ágio, pois, tal como no caso concreto analisado, o uso da empresa-veículo pode apresentar fundamento material e econômico – sobretudo quando se trata de uma operação de investidor internacional.  

Ao fim e a cabo, é uma questão que demanda consciência de que as normas jurídicas não são fórmulas. Não basta que o operador encontre uma correspondência direta entre a hipótese normativa abstrata e o fato sob análise. Cabe ao intérprete conferir se as razões fundamentais por detrás das normas estão sendo cumpridas com sua aplicação; não se trata apenas de conferir o valor que informa a norma, mas averiguar se a função que dada norma deveria ocupar no sistema jurídico está sendo cumprida pela aplicação. 

Tal entendimento parece ter sido compartilhado pelos ministros da Primeira Turma do STJ, sobretudo pelo Min. Gurgel de Faria, quando ele registra em seu voto que: 

[…] embora a análise da possibilidade de dedução do ágio não deva ser realizada à luz dos aspectos meramente formais da norma, mas também sob a ótica dos eventos reais e econômicos atrelados à operação que o ensejou, não pode a Receita, alegando buscar extrair o “propósito negocial” das operações, impedir a dedutibilidade, per se, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre “partes dependentes” (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via “empresa-veículo”. 

Com isso, contribuintes em geral e, sobretudo os investidores estrangeiros poderão esperar maior segurança nas suas operações, pois afasta a as presunções alegadas pelo Fiscos, atribuindo-lhe o ônus de provar qualquer irregularidade na operação. 

 

 

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