A Reforma Tributária e o ITCMD: Impactos nas Heranças e Doações com Foco no Estado de São Paulo

Henrique Martins

A Emenda Constitucional 132, parte central da recente reforma tributária no Brasil, trouxe profundas mudanças no sistema fiscal. Enquanto o foco principal está na tributação do consumo, algumas alterações afetam diretamente a transmissão de bens e doações, por meio do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). Este imposto, essencial para a arrecadação estadual, sofreu mudanças significativas, que vão desde a implementação da progressividade nas alíquotas até a restrição na escolha do estado para a abertura de inventários. Em estados como São Paulo, onde o ITCMD atualmente possui um valor fixo de 4%, essas mudanças prometem ter um impacto considerável. 

Progressividade do ITCMD: Um Novo Modelo para São Paulo 

Um dos principais aspectos da reforma tributária é a introdução da progressividade no ITCMD, adequando a cobrança do imposto ao valor do patrimônio transmitido. Antes da reforma, muitos estados, como São Paulo, aplicavam uma alíquota fixa sobre heranças e doações. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota era de 4%, independentemente do valor transmitido. 

Com a Emenda Constitucional 132, o ITCMD passará a ser progressivo. No caso de São Paulo, o Projeto de Lei 7/2024 prevê alíquotas que variam de 2% a 8%, dependendo do valor do quinhão transmitido. A base de cálculo utiliza a Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP), que atualmente é de R$ 35,36. Os valores de referência para as novas alíquotas são os seguintes: 

  • Até 10.000 UFESP (R$ 353,6 mil): alíquota de 2% 
  • De 10.000 a 85.000 UFESP (R$ 353,6 mil a R$ 3 milhões): alíquota de 4% 
  • De 85.000 a 280.000 UFESP (R$ 3 milhões a R$ 9,9 milhões): alíquota de 6% 
  • Acima de 280.000 UFESP (R$ 9,9 milhões): alíquota de 8% 

Essa mudança visa garantir que a tributação seja proporcional ao valor do patrimônio transmitido, aumentando a carga tributária sobre grandes fortunas e aliviando transmissões de menor valor. Na prática, transmissões de até R$ 3,35 milhões continuarão a pagar a alíquota atual de 4%. Somente os patrimônios vultosos, acima desse valor, sofrerão um aumento significativo da carga tributária. 

Entretanto, para que essa progressividade entre em vigor em 2025, o PL 7/2024 precisa ser aprovado até o final de setembro de 2024. Caso contrário, o início da aplicação das novas alíquotas será postergado. As chances de aprovação dentro desse prazo, porém, são incertas, e há indicativos de que o processo pode não ser concluído a tempo. 

Fim da Escolha do Estado para Abertura de Inventário 

Uma das medidas mais polêmicas da reforma foi a eliminação da escolha do estado para abertura de inventário, medida que visa reduzir o planejamento tributário abusivo. Antes da EC 132, contribuintes podiam optar por realizar o inventário em estados onde a alíquota do ITCMD era mais baixa. Isso permitia uma “fuga” tributária, especialmente em relação a bens móveis e títulos financeiros. 

A partir da reforma, o ITCMD sobre bens móveis, títulos e créditos será recolhido no estado de domicílio do falecido, independentemente de onde o inventário for processado. Essa mudança visa unificar o tratamento tributário, eliminando a prática de selecionar estados com alíquotas mais favoráveis para reduzir a carga tributária. O Projeto de Lei Complementar 108/2024 regulamenta essa alteração, estendendo-a também para inventários extrajudiciais, que agora deverão seguir as mesmas regras aplicáveis aos judiciais. 

A Elevação do Teto do ITCMD: Um Debate em Aberto 

Atualmente, a alíquota máxima do ITCMD é de 8%, conforme estabelecido pela Resolução do Senado 9/1992. No entanto, a reforma tributária trouxe novamente à tona a discussão sobre a elevação desse teto. O Projeto de Resolução 57/2019 sugere aumentar a alíquota máxima do ITCMD para até 16%, dobrando o limite atual. Essa mudança, embora não diretamente relacionada à reforma, está sendo discutida em seu contexto. 

Em São Paulo, por exemplo, mesmo que o estado tenha a permissão de cobrar até 8% desde 1992, a alíquota permanece em 4%. A elevação do teto para 16% abriria margem para uma reavaliação das alíquotas estaduais, com potencial aumento na carga tributária para heranças de alto valor. Contudo, até o momento, não há movimentos concretos para acelerar a tramitação do projeto de resolução, e não é possível afirmar com segurança se essa mudança será implementada em breve. 

Tributação de Previdências Privadas e Outras Transmissões 

A reforma tributária também trouxe novidades em relação à tributação de planos de previdência privada. Antes da EC 132, planos de previdência não eram tributados no momento de sua transmissão aos herdeiros, o que criava uma lacuna no sistema fiscal. Agora, esses planos passarão a integrar a base de cálculo do ITCMD, sendo tributados no momento em que forem transmitidos ao herdeiro. 

Além disso, a reforma amplia o conceito de doações para incluir transmissões entre partes vinculadas que resultem em benefícios desproporcionais, sem justificativa negocial. Isso inclui atos societários como a distribuição desproporcional de dividendos ou a redução de capital a preços diferenciados. Nesses casos, o benefício recebido será considerado uma doação, sujeita ao ITCMD. Essa medida visa evitar a evasão fiscal e garantir que transmissões patrimoniais realizadas fora das proporções habituais sejam devidamente tributadas. 

Base de Cálculo para Participações Societárias e Fundos de Investimento 

Outro ponto sensível abordado pela reforma é a base de cálculo do ITCMD em transmissões de participações societárias e cotas de fundos de investimento. Atualmente, a base de cálculo é, em muitos casos, o valor patrimonial das ações ou cotas, o que pode resultar em subavaliação do patrimônio transmitido. Para corrigir essa distorção, o PLP 108/2024 propõe que a base de cálculo seja, no mínimo, o valor patrimonial ajustado, acrescido do valor de mercado dos ativos e passivos. 

Essa medida atende a uma demanda das fiscalizações estaduais, que frequentemente questionam a baixa valoração de participações societárias transmitidas. A adoção desse novo critério pode resultar em uma tributação mais próxima do valor de mercado real das participações, garantindo uma arrecadação mais justa. 

Em síntese, a reforma tributária, em especial no que se refere ao ITCMD, promete reformular a forma como heranças e doações são tributadas no Brasil. A progressividade das alíquotas, o fim da escolha do estado para a abertura de inventário e a inclusão de previdências privadas e transmissões desproporcionais na base de cálculo representam mudanças que podem aumentar significativamente a carga tributária em alguns casos, especialmente no Estado de São Paulo. Com as incertezas quanto à aprovação do PL 7/2024 antes do fim de setembro, ainda restam dúvidas sobre quando essas mudanças serão efetivamente implementadas no Estado. Contudo, a reforma marca o início de uma nova fase na tributação de transmissões patrimoniais no Brasil, exigindo atenção dos contribuintes para evitar surpresas fiscais e garantir o cumprimento das novas obrigações tributárias. 

 

Referências 

BRASIL. Emenda Constitucional n. 132, de 2024. Altera o sistema tributário nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1 jul. 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm. Acesso em: 20 set. 2024. 

BRASIL. Projeto de Lei Complementar n. 108, de 2024. Regulamenta a cobrança do ITCMD e estabelece normas para a aplicação da progressividade das alíquotas. Senado Federal, Brasília, 2024. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/plp-108-2024. Acesso em: 20 set. 2024. 

MIATO, Bruna. Reforma tributária: entenda as novas regras para tributação de heranças aprovadas pela Câmara. G1 Economia, 15 ago. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/08/15/reforma-tributaria-entenda-as-novas-regras-para-tributacao-de-herancas-aprovadas-pela-camara.ghtml. Acesso em: 20 set. 2024. 

SÃO PAULO. Projeto de Lei n. 7, de 2024. Estabelece novas faixas de alíquotas progressivas para o ITCMD, conforme a Unidade Fiscal do Estado de São Paulo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, São Paulo, 2024. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000541335. Acesso em: 20 set. 2024. 

 

 

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