Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo Tributário

Muito já se tratou sobre o problema da incidência (ou não) da prescrição intercorrente nos processos administrativos fiscais; no entanto, as considerações que se fazem principalmente no seio da Jurisprudência brasileira não ponderam adequadamente o conjunto do sistema jurídico ou mesmo as posições dos próprios tribunais brasileiros.
O Superior Tribunal de Justiça, bem como diversos Tribunais Regionais Federais, parece ter se endereçado no sentido de rejeitar a aplicação da prescrição intercorrente nos processos administrativos fiscais, a partir de um mesmo raciocínio-padrão.
Uma vez instaurado o processo administrativo, ocorre a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, durante toda a pendência do contencioso administrativo, nos termos do art. 151, inciso III, do CTN. Consequentemente, como não há exigibilidade do crédito, a Fazenda Pública não poderia exercer a sua pretensão tributária e, portanto, não poderia correr nenhum prazo prescricional. Por sua vez, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário perduraria até que a decisão definitiva fosse comunicada ao contribuinte, conforme fixou o STJ na Súmula 622.
Considerando que os processos administrativos fiscais disciplinam-se pela legislação específica do Decreto Federal nº 70.235/1972, é recorrente a posição do Judiciário em negar a extensão das disposições da Lei nº 9.873/1999, cujo art. 1º, §1º, impõe a incidência da prescrição intercorrente nos processos administrativos permaneçam parados por mais de três anos, havendo julgamento ou despacho pendente.
Assim, a posição da jurisprudência costuma reverberar o fundamento segundo o qual, independentemente do prazo que o respectivo processo administrativo fiscal tenha permanecido paralisado, não haveria previsão legal para se aplicar a prescrição intercorrente em processo administrativo de crédito tributário.
É verdade que existe uma lacuna sobre prescrição intercorrente em processos administrativos fiscais; ou melhor, uma ausência de dispositivo normativo expresso. No entanto, o atual entendimento da jurisprudência representa uma posição potencialmente incompatível com o restante do sistema jurídico brasileiro.
Como esclarece L. STRECK , a ideia de lacuna é ela própria atravessada por um conteúdo ideológico do próprio aplicador. Quando se fala em lacuna não se está perante uma situação em que a tomada de decisão seja logicamente impossível por conta de uma ausência de dispositivos normativos, mas normalmente porque a decisão logicamente possível é reputada como indesejável pelo aplicador.
Ou seja, a lacuna tende a representar uma situação de divergência entre o sistema normativo positivo e o direito considerado justo pelo intérprete .
O conceito de lacuna normalmente empregado tende a tratar a “lei” como sinônimo de direito, bem como a ignorar a existência de normas secundárias (p. ex., normas estruturais ou de competência). Quando se reconhece que o Direito vai além da Lei, o problema da lacuna tende a perder relevância .
O Direito vai além da simples previsão legislativa. Ou seja, ele ultrapassa as disposições legais. Nesse sentido, é sempre relevante recordar a lição de F. C. PONTES DE MIRANDA , segundo o qual “Não importa a redação, a formulação da regra jurídica; o que importa é o seu conteúdo, o seu sentido, tal como resulta do que ‘se diz’ nela e do que ‘é dito’ no sistema”.
O fundamento do conceito da prescrição não repousa apenas sobre a exigência de certeza das relações jurídicas, mas sobre a incongruência entre fato e direito capaz de aumentar a conflituosidade nas situações em que se exerce uma pretensão depois de muito tempo, a ponto de já haver se formado uma sensação de que tal exigência seria injustificada. Desse modo, o fundamento da prescrição não seria apenas a inércia do titular do direito por um longo período de tempo, mas a inércia qualificada pela negligência ou desinteresse em relação à situação jurídica .
E quando se observa as normas aplicáveis aos processos administrativos fiscais, vê-se que o sistema jurídico brasileiro conta com múltiplas disposições normativas que proíbem um prolongamento dos processos administrativos.
O art. 3º do Decreto Federal nº 70.235/72 – que disciplina os procedimentos fiscais federais – atribui à Fazenda Pública o dever de realizar os atos processuais de sua jurisdição em 30 (trinta) dias. E o art. 4º do mesmo decreto também determina que o servidor responsável deverá executar os atos processuais no prazo de 8 (oito) dias.
Mais interessante, talvez, seja o art. 24 da lei nº 11.457/07, o qual impõe à Fazenda Pública a obrigação de proferir a decisão administrativa “[…] no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar o protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”.
Essa norma teve a sua incidência reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.138.206-RS, julgado sob o rito dos recursos repetitivos de Tema 269 e 270, o qual fixou a seguinte tese:
“Tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos (art. 24 da lei 11.457/07)”.
Ou seja, não há lacuna no sistema jurídico brasileiro quanto aos deveres da Fazenda Pública na condução dos procedimentos administrativos fiscais; havendo inclusive previsão expressa sobre sua duração máxima, em atendimento ao Princípio da Duração Razoável do Processo, previsto pelo art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88.
Daí surge a questão sobre como compatibilizar o entendimento segundo o qual não pode haver incidência da prescrição intercorrente em processos administrativos fiscais e as várias normas que impõem uma obrigação para a Administração concluir os procedimentos por meio de uma tramitação célere.
Ignorar que o direito brasileiro impõe deveres à Administração Pública significa negar aplicação à jurisprudência do STJ fixada em sede de recursos repetitivos e às demais normas federais. Significaria também dizer que uma lacuna (ausência de dispositivo normativo) deveria prevalecer sobre as previsões expressas em lei e na jurisprudência; o que é o mesmo que negar vigência às mencionadas normas e afirmar que não haveria consequências à Fazenda Pública caso ela descumprisse com seus deveres legais.
A coerência do sistema pode ser reestabelecida, admitindo-se que o entendimento dominante nos tribunais brasileiros deve se sujeitar a alguns limites. É preciso apurar as circunstâncias fáticas concretas e aceitar a incidência da prescrição intercorrente como um mecanismo para concretizar não apenas as diversas normas que fixam prazos para a tramitação dos processos – sob pena de se esvaziar os deveres legais da Administração Pública –, mas também para concretizar o Princípio da Duração Razoável do Processo.
Lembre-se que princípios jurídicos são normas que fornecem “razões finalísticas”, indicando as qualidades ou os fins que os comportamentos dos indivíduos devem apresentar, sem, contudo, indicar quais devem ser esses comportamentos específicos .
Consequentemente, no caso concreto, é possível aceitar que a extensão do art. 1º, §1º, da Lei nº 9.873/99 e o reconhecimento da prescrição intercorrente em um processo administrativo fiscal seja a resposta adequada – não da Lei, mas do Direito – à coerência do sistema e às finalidades impostas pela Duração Razoável do Processo.
cujo critério territorial será o local de situação do bem transmitido.