Reforma tributária no setor elétrico 

Vitor Nogueira Dextro e Gabriel Thielmann
Vitor Nogueira Dextro e Gabriel Thielmann

Introdução

A recente Reforma Tributária, consolidada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar nº 214/2025, marca uma mudança significativa no sistema de tributação do consumo no Brasil. Essa reestruturação do modelo tributário, pautada pela implementação do IVA Dual, afeta diretamente todos os setores da economia, sendo o setor elétrico um dos mais impactados.

Reforma Tributária: visão geral

O modelo IVA Dual é composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que tem competência compartilhada entre estados e municípios. Este novo modelo é inspirado no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplamente utilizado em outros países, mas com a peculiaridade de uma divisão de competências entre as esferas federativas, o que visa simplificar e uniformizar a tributação sobre o consumo a tributação sobre o consumo, substituindo tributos como ICMS, ISS, PIS, COFINS, IPI e IOF-seguros.

A nova estrutura busca solucionar problemas históricos do sistema tributário brasileiro, notadamente a complexidade excessiva, a cumulatividade de tributos e as distorções causadas pela guerra fiscal entre estados.

Os princípios orientadores do novo sistema são a não-cumulatividade plena e o princípio do destino. A não cumulatividade assegura que os tributos pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva gerem créditos ao contribuinte, evitando a tributação em cascata (art. 156-A, § 1º, VIII da CF/88). Esse mecanismo permitirá que os encargos fiscais pagos ao longo da cadeia produtiva possam ser integralmente compensados, refletindo diretamente na redução do custo final dos produtos e serviços. Por sua vez, o princípio do destino determina que o imposto será devido no local de consumo do bem ou serviço (art. 156-A, § 1º, VII da CF/88), substituindo a antiga lógica da origem e eliminando as distorções provocadas pelas disputas tributárias interestaduais.

Outro aspecto relevante é a previsão de uma transição longa, que se estenderá até 2033. Durante esse período, os contribuintes precisarão lidar com o sistema atual e o novo regime simultaneamente. Mesmo com o período longo para que os contribuintes se adaptem ao novo sistema, essa coexistência dos sistemas tributários resultará em aumento da complexidade operacional, exigindo das empresas uma capacidade de se adequar à nova legislação para que possam cumprir suas obrigações fiscais com segurança e eficiência.

Alíquotas

A Lei Complementar nº 214/2025 não definiu, de imediato, as alíquotas finais do IBS e da CBS, mas estabeleceu que a alíquota de referência será fixada pelo Senado Federal, com base na arrecadação dos tributos que estão sendo substituídos (art. 130 do ADCT, incluído pela EC 132/2023). A estimativa inicial é que a soma das alíquotas do IBS e da CBS fique em torno de 25% a 28%, segundo estimativa do Ministério da Fazenda. Vale lembrar que o Imposto Seletivo não incidirá sobre operações com energia elétrica e, por isso, não será ponto de preocupação do setor (art. 413, inciso II da LC).

Essa questão da alíquota de referência e da efetiva carga tributária incidente na cadeia ainda demanda definição final, mas empresas do setor devem acompanhar a evolução das normas para estimar o impacto sobre suas tarifas e receitas.

O tratamento do Setor Elétrico na Lei Complementar nº 214/2025

O setor elétrico, devido à sua complexidade e relevância estratégica, recebeu tratamento específico na Lei Complementar nº 214/2025. As atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica possuem particularidades que demandaram soluções diferenciadas no novo modelo tributário.

Fato gerador e diferimento

Para operações de execução continuada ou fracionada em que não seja possível identificar o momento da entrega, como é o caso do fornecimento de energia elétrica, o fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento em que o pagamento se torna devido (art. 10, § 3º da LC 214/2025), saindo da regra geral de que os tributos serão devidos no momento em que ocorrer o fornecimento (art. 10, caput da LC 214/2025), ou no momento do pagamento (art. 10, § 2º da LC 214/2025), o que ocorrer primeiro.

Contudo, foi instituído uma espécie de diferimento, no qual só há obrigação de recolhimento dos tributos em operações com energia elétrica que se destinam ao consumo (art. 28 da LC 214/2025). Ou seja, a regra é a tributação de toda operação com energia elétrica, porém, o recolhimento efetivo será apenas devido na etapa de fornecimento da energia para consumo.

Base de Cálculo

Um ponto sensível da reforma no setor elétrico diz respeito à ampliação da base de cálculo. A Lei Complementar nº 214/2025 determina que a base de cálculo do IBS e da CBS abranja o valor integral da operação, incluindo encargos setoriais, tarifas, juros, multas e demais acréscimos financeiros (art. 12, § 1º da LC 214/2025). Desse modo, a base de cálculo da tributação da prestação de serviço do setor elétrico abrange também, por exemplo, a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD, e não apenas o valor da própria Tarifa de Energia – TE.

Esse aspecto poderá aumentar significativamente a carga tributária sobre as operações do setor elétrico, sendo fundamental o acompanhamento atento das tarifas regulatórias e a revisão constante da composição dos valores faturados.

Estabelecimentos do mesmo contribuinte e transações entre partes relacionadas

A nova legislação também estabeleceu a incidência do IBS e da CBS sobre operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e em transações entre partes relacionadas (art. 5º, IV e art. 12, § 4º da LC 214/2025).

Esse ponto traz inspiração das novas regras de preço de transferência e gera preocupação adicional para o setor elétrico, que frequentemente utiliza sociedades de propósito específico (SPEs) e adota mecanismos de compartilhamento de custos e recursos entre empresas do mesmo grupo.

O §7º do art. 5º da LC coloca uma possível flexibilização da matéria, caso o contribuinte esteja em programa de conformidade ou a operação permita apropriação de créditos, ou seja, que não envolva bens para uso e consumo pessoal.

Para entender em completude a matéria, porém, ainda será necessário aguardar a edição de regulamentos pela Receita Federal e pelo Comitê Gestor do IBS.

Local de incidência

A lei estabeleceu que nas operações de fornecimento de energia elétrica para consumo final o local do fato gerador será aquele da entrega ou disponibilização ao consumidor (art. 11, § 7º, I da LC 214/2025). Já nas operações de transmissão e comercialização de energia, ou outras que não destinadas a consumo, o local será considerado o estabelecimento principal do adquirente (art. 11, § 7º, II da LC 214/2025).

Dedução de perdas não técnicas

Um tema sensível e historicamente controverso no setor elétrico diz respeito às perdas não técnicas, também conhecidas como perdas comerciais, decorrentes de furtos e ligações clandestinas.

Atualmente, as distribuidoras enfrentam discussões sobre a possibilidade de deduzir essas perdas da base de cálculo de tributos como o ICMS. A Lei Complementar nº 214/2025 não trouxe previsão específica sobre esse tema, o que gera preocupação quanto à possibilidade de perpetuação das controvérsias sob o novo regime do IBS e da CBS.

O acompanhamento das futuras regulamentações e a atuação conjunta com associações do setor serão fundamentais para tentar pacificar essa questão.

Conclusão

A Reforma Tributária representa uma transformação profunda no sistema fiscal brasileiro e trará impactos diretos e relevantes sobre o setor elétrico. As mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214/2025 exigirão das empresas do segmento uma reavaliação de suas práticas fiscais e operacionais, tendo em vista a adoção do IVA Dual, o alargamento da base de cálculo, a tributação de operações entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e as incertezas sobre questões sensíveis, como a dedutibilidade das perdas não técnicas.

Nesse contexto, a adequação ao novo regime tributário demandará planejamento antecipado e acompanhamento próximo das regulamentações que ainda serão editadas, especialmente considerando o período de transição até 2033 e a complexidade das atividades desenvolvidas pelo setor elétrico.

É imprescindível que as empresas estejam preparadas para interpretar corretamente as novas normas e ajustar seus procedimentos internos, evitando contingências fiscais e assegurando o melhor aproveitamento dos créditos e benefícios previstos na le

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Vitor Nogueira Dextro

Gabriel de Carvalho Thielmann

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