ITCD NA DOAÇÃO DE QUOTAS: O RECURSO ESPECIAL Nº 2139412 – MT É APLICÁVEL EM SÃO PAULO?

Introdução
Em 19 de fevereiro de 2025, em face do Recurso Especial n° 2139412 – MT1, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, na hipótese de sucessão de quotas de sociedades não cotadas em bolsa, a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Causa Morte e Doação (ITCD) deve levar em conta o valor de mercado dos imóveis da sociedade e não somente o valor patrimonial das quotas.
Tal decisão, apesar de demonstrar certa consolidação de entendimento da 2ª Turma acerca da base de cálculo do ITCD (AgInt no RMS 705282 e AgInt no REsp 21507883), contraria determinadas legislações estaduais que disciplinam o imposto, bem como a jurisprudência dos Tribunais Estaduais, especialmente a de São Paulo.
Diante desse contexto, o presente artigo tem como objetivo discutir os fundamentos decisórios do REsp 2139412 – MT, bem como explorar eventuais repercussões da decisão no estado de São Paulo.
Fundamentos do Recurso Especial Nº 2139412 – MT
Em sua origem, o processo trata de um mandado de segurança impetrado contra a cobrança de ITCD pelo estado do Mato Grosso, “tendo como objetivo anular pareceres de avaliação do fisco estadual de quotas de participação em sociedade para fins de apuração de ITCD, para que o fisco realize novo cálculo subtraindo-se dívidas do espólio, além de utilizar o valor das quotas declarado pelo contribuinte, que foram em sua maior parte constituídas por bens imóveis”.
Em primeira instância, o juízo determinou que o fisco realizasse um novo cálculo do ITCD, tendo como base o valor de mercado dos imóveis que foram integralizados na sociedade. Em segunda instância, no entanto, decidiu-se que na hipótese de as quotas não serem negociadas em bolsa de valores, a base de cálculo do ITCD é o valor patrimonial da participação societária, o qual corresponde à divisão do patrimônio líquido pela quantidade de quotas integralizadas.
No âmbito do Recurso Especial, o ministro relator Francisco Falcão, acompanhado pelos demais, destacou que, nos termos do artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN), a base de cálculo do ITCD deve corresponder ao valor venal dos bens ou direitos transmitidos, entendendo-se como valor venal o valor de mercado. Assim, o ministro concluiu que “apurar a exação tendo como base unicamente o valor patrimonial das quotas sociais atribuídas pelos sócios, sem a avaliação de mercado dos bens que integralizaram esse capital, acabaria por mitigar o valor real de mercado da sociedade, esvaziando a previsão do referido art. 148 do CTN”.
A decisão, portanto, se fundamenta em três premissas: (i) o ITCD ter como sua base de cálculo o valor venal do bem ou direito transmitido; (ii) o conceito de valor venal equivaler ao de valor de mercado; e (iii) o valor de mercado de uma sociedade ser calculado a partir do valor de mercado dos bens que integralizam o seu capital social.
Nesse contexto, para que o entendimento seja aplicável no âmbito do estado de São Paulo, é necessário verificar se as premissas estabelecidas permanecem verdadeiras quando analisadas frente às especificidades da legislação estadual.
O ITCD EM SÃO PAULO
No estado de São Paulo, o ITCD é disciplinado pela Lei n° 10.705/2000, que estipula o valor venal como a base de cálculo do ITCD, assim como o CTN (1ª Premissa). O conceito de valor venal, por sua vez, é disciplinado unicamente pela lei estadual, a qual o define genericamente como o valor de mercado do bem ou direito transmitido (art. 9, §1°), sendo que em relação às sociedades não listadas em bolsa de valores, o valor venal corresponderá ao valor patrimonial das quotas (art. 14, §2°).
Ao nosso ver, portanto, a 2ª Premissa não nos parece válida, dado que o conceito de valor venal não é definido pelo CTN e sim pela legislação estadual, a qual atribui um conceito específico para as hipóteses de sociedades não listadas. Essa é a interpretação consolidada no Tribunal de Justiça de São Paulo, acatada, inclusive, pelo fisco paulista4.
Além disso, mesmo que se considerasse que o valor venal deve corresponder ao valor de mercado, nota-se que o objeto jurídico da sucessão ou da doação são as quotas de uma sociedade, de modo que o valor de mercado se refere à empresa em si, e não aos ativos, imóveis ou móveis, que compõem seu balanço. Neste contexto, o próprio STJ já reconheceu que existem diferentes formas de avaliação de uma mesma empresa – valor nominal, valor de negociação, valor econômico e valor patrimonial5 –, de modo que não há uma fórmula fixa e pré-determinada para se encontrar o valor de mercado de uma sociedade, o que, novamente, reforça a liberdade do legislador estadual em definir o método a ser aplicado para o cálculo do ITCD (3ª Premissa).
A fim de pacificar a questão, o Projeto de Lei Complementar n° 108/2024 pretende estabelecer nacionalmente que a base de cálculo do ITCD deve ser obtida por “metodologia tecnicamente idônea e adequada às quotas ou ações, devendo corresponder, no mínimo, ao patrimônio líquido ajustado pela avaliação de ativos e passivos a valor de mercado, acrescido do valor de mercado do fundo de comércio” (art. 171, inciso II), o que se coaduna com a interpretação consolidada no Recurso Especial Nº 2139412 – MT. O PLP 108/2024, no entanto, ainda depende de aprovação pelo Senado Federal e sanção presidencial, de modo que, atualmente, inexiste fundamento legal para se questionar legislações estaduais que vinculem a base de cálculo ao valor patrimonial das sociedades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A recente decisão do STJ sobre o Recurso Especial n° 2139412 – MT levanta questionamentos sobre a forma de aplicação do ITCD. Isto porque, embora a interpretação do tribunal proponha novos caminhos ao se basear no valor de mercado dos imóveis das sociedades, essa perspectiva diverge de legislações e decisões estaduais, entre as quais algumas já reconheceram e normatizaram o valor patrimonial das quotas como base de cálculo.
Especificamente sobre o estado de São Paulo, entende-se, a partir das premissas apontadas, que apenas a 1ª premissa se mostra corretamente aplicável aos contribuintes paulistas, visto que as demais vão na contramão da legislação estadual, com as recentes decisões do TJSP e com o próprio entendimento do STJ acerca da complexidade e diversidade de formas de se avaliar uma empresa.
Destaca-se que a divergência encontrada a partir da recente decisão pode gerar insegurança jurídica, refletindo na maneira como os contribuintes planejam suas doações e sucessões, podendo afetar, inclusive, a continuidade de negócios familiares e sociais no Brasil.