Reforma Tributária e o Setor Imobiliário: o que muda com a LC nº 214/2025 

Vitor Dextro e Gabriel de Carvalho Thielmann
Vitor Dextro e Gabriel de Carvalho Thielmann

A aprovação da Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta aspectos centrais da Emenda Constitucional nº 132/2023, inaugura um novo ciclo na tributação do consumo no Brasil. O novo modelo extingue cinco tributos — PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS — e institui dois impostos não cumulativos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada por estados e municípios. 

Para o mercado imobiliário, as transformações são especialmente relevantes. Trata-se de um setor com operações de longo prazo, alto investimento de capital e forte dependência de planejamento tributário e segurança jurídica. A nova legislação reconfigura a tributação sobre a venda, locação e administração de imóveis, exigindo que incorporadoras, construtoras, fundos e investidores se adaptem rapidamente ao novo cenário. 

A seguir, destacamos os principais impactos para o setor, com base na regulamentação da LC nº 214/2025 e no que ela representa para os diversos modelos de negócios imobiliários. 

  1. Nova estrutura tributária: CBS e IBS sobre imóveis 

A CBS e o IBS incidirão sobre a prestação de serviços, cessões, arrendamentos e vendas de bens (art. 4º da LC 214/2025). Isso inclui: 

  • Venda de imóveis por incorporadoras e loteadoras; 
  • Locação e sublocação de bens imóveis; 
  • Cessão onerosa de direitos relacionados a imóveis; 
  • Administração e corretagem de imóveis. 

A principal novidade está na ampliação da base de incidência. Atividades anteriormente não alcançadas pelos tributos sobre consumo, como a locação residencial, passam agora a ser tributadas. 

  1. Redutores de base de cálculo e redutor social 

Com o objetivo de mitigar os impactos da reforma sobre o setor, a LC nº 214/2025 institui mecanismos de redução da base de cálculo para alienações e locações de imóveis: 

  • Para imóveis adquiridos até 31/12/2026, o redutor será o valor de aquisição atualizado pelo IPCA ou o valor de referência do imóvel, o que for menor; 
  • Para imóveis em construção nessa data, será considerada a soma do valor do terreno, atualizado pelo IPCA, com os custos dos bens e serviços aplicados até então; 
  • Para imóveis adquiridos a partir de 01/01/2027, o redutor será o custo de aquisição, com exceção dos casos de revenda em menos de três anos sem comprovação do pagamento de IR e ITBI, quando será aplicado o custo de aquisição do vendedor anterior, também atualizado pelo IPCA. 

Além disso, foi criado o chamado “redutor social”, exclusivo para imóveis residenciais: 

  • R$ 100 mil na venda de bem residencial, utilizável uma única vez; 
  • R$ 30 mil na venda de lote residencial; 
  • R$ 600 em operações de locação, cessão ou arrendamento residencial. 

Esses redutores buscam suavizar os efeitos regressivos da tributação e garantir maior justiça fiscal. 

  1. Locações de imóveis: redutor de alíquota e nova incidência 

A inclusão das receitas de locação na base de incidência da CBS e do IBS representa uma das alterações mais sensíveis para o setor. Até então isentas, essas operações passam a ser tributadas, mas com importante atenuação: o art. 261 da LC nº 214/2025 estabelece uma redução de 70% sobre a alíquota padrão. 

“Art. 261. Parágrafo único. As alíquotas do IBS e da CBS relativas às operações de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis ficam reduzidas em 70% (setenta por cento).” 

Considerando a alíquota conjunta estimada de 26,5%, a carga efetiva resultante será de aproximadamente 7,95%. 

Além disso, está prevista isenção total para pessoas físicas que aufiram até R$ 240 mil anuais com até três imóveis locados, preservando o tratamento diferenciado para pequenos locadores. 

  1. Venda de imóveis por incorporadoras: fim do RET e nova carga tributária 

O Regime Especial de Tributação (RET), que previa alíquotas unificadas de 4% (ou 1% para imóveis de interesse social), será gradualmente substituído com a implementação da CBS. Para incorporadoras que optarem pelo RET até 31/12/2028, será possível aplicar, a partir de 2029, uma alíquota de 2,08% (ou 0,53%, no caso de imóveis de interesse social), conforme art. 485 da LC nº 214/2025. 

Para novos empreendimentos iniciados após essa data, a legislação prevê a possibilidade de dedução do IBS com base em custos diretos e indiretos da construção, apurados entre 2027 e 2032, desde que devidamente documentados e alocados de forma proporcional (art. 488). 

A tributação ocorrerá, em regra, no momento da entrega da unidade, o que exigirá readequações no planejamento financeiro das incorporadoras. 

  1. Administração de imóveis e serviços imobiliários 

Atividades como administração de imóveis próprios ou de terceiros, corretagem, consultoria e gestão patrimonial passam a ser tributadas normalmente pela CBS e IBS, com alíquota integral e sem redutores específicos (art. 211). 

As empresas do setor precisarão reavaliar a estrutura de suas operações e a viabilidade de modelos societários voltados à administração patrimonial e gestão de carteiras. 

  1. Fundos Imobiliários e estruturas patrimoniais 

A tributação dos fundos de investimento imobiliário (FIIs) pela CBS e pelo IBS ainda é tema de incerteza. Embora a LC nº 214/2025 não os inclua expressamente como contribuintes, havia previsão de isenção que acabou sendo vetada pela Presidência da República. Esse veto abriu espaço para interpretações divergentes quanto à responsabilidade dos FIIs ou de seus cotistas em relação à nova tributação sobre receitas de locação. 

Até que haja regulamentação específica, prevalece o entendimento de que os FIIs continuam, em tese, isentos da CBS e do IBS sobre essas receitas, nos termos da Lei nº 8.668/1993. Ainda assim, gestores devem estar atentos a possíveis alterações regulatórias que impactem a rentabilidade dos fundos, a estrutura contratual das locações e a distribuição dos rendimentos. 

Já as holdings patrimoniais, especialmente sob o regime do lucro presumido, deverão revisar sua eficiência fiscal frente à incidência da CBS e do IBS sobre as receitas de locação. A carga tributária combinada com IRPJ e CSLL pode tornar tais estruturas economicamente menos vantajosas. 

  1. Regime de transição e cláusulas contratuais 

A implementação da nova sistemática será gradual até 2033. Os principais marcos do período de transição são: 

  • CBS: início da cobrança em 2026 (0,9%), com aumento progressivo até 2,9% em 2028; 
  • IBS: aplicação plena a partir de 2029. 

Durante esse período, coexistirão regimes antigos e novos, exigindo adequações contábeis, fiscais e jurídicas. Contratos de longo prazo deverão ser revistos, especialmente para incluir cláusulas de repasse tributário, revisão de preço e equilíbrio econômico-financeiro. 

  1. Conclusão 

A LC nº 214/2025 representa um marco na reestruturação tributária do país e trará efeitos profundos sobre o mercado imobiliário. O novo modelo exige atenção estratégica, adaptação contratual e reestruturação operacional. 

Empresas, fundos e investidores que se anteciparem às mudanças, ajustando seus modelos de negócio, poderão não apenas reduzir riscos como também identificar oportunidades de otimização fiscal. 

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Vitor Dextro

Gabriel de Carvalho Thielmann

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