Reforma Tributária e os Impactos no Simples Nacional: Uma Análise Técnica e Prática

A Reforma Tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 traz profundas alterações para o regime tributário brasileiro, especialmente para as empresas optantes pelo Simples Nacional. Estas mudanças incluem a introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), substituindo diversos tributos existentes, e oferecendo alternativas estratégicas quanto ao regime de tributação.
- Novos Tributos: IBS e CBS no Simples Nacional
Com a Reforma Tributária, os optantes do Simples Nacional terão incorporados no Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) os novos tributos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que substituirão PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS.
O Simples Nacional mantém o limite geral anual de faturamento em R$ 4,8 milhões, mas estabelece um sublimite para recolhimento do IBS, de R$ 3,6 milhões anuais nos estados com participação superior a 1% do PIB nacional, e R$ 1,8 milhão nos demais estados. A CBS, por outro lado, continua com o teto geral de R$ 4,8 milhões anuais. As empresas que excederem esses sublimites deverão recolher o IBS fora do Simples Nacional, enquanto continuam recolhendo os demais tributos dentro do regime simplificado, similar ao modelo atual do ICMS.
- Regime Híbrido e Escolha Semestral
Uma das mudanças mais relevantes introduzidas pela reforma é o regime híbrido opcional. As empresas do Simples Nacional poderão optar, semestralmente, por recolher o IBS e a CBS integralmente fora do regime simplificado. Ao escolherem essa modalidade, as empresas passam a ter direito ao crédito integral das aquisições, aproveitando-se assim do regime de não cumulatividade plena proposto pela reforma.
Essa possibilidade de escolha traz consigo uma nova estratégia fiscal que pode beneficiar especialmente empresas que possuem fornecedores tributados ou operam predominantemente no mercado B2B, visto que seus clientes terão direito ao crédito integral destacado na nota fiscal.
A janela de escolha ocorre semestralmente, devendo a empresa formalizar sua opção até o mês de setembro para o período de janeiro a junho do ano seguinte e em abril de cada ano referente ao período de julho à dezembro do ano seguinte. Essa flexibilidade permite às empresas avaliarem periodicamente a melhor estratégia tributária, considerando seus resultados, margens, clientes e estrutura operacional.
- Crédito Integral para Clientes
A escolha pelo regime híbrido influencia diretamente a competitividade da empresa. Quando a empresa optante do Simples Nacional escolhe calcular e recolher IBS e CBS fora do regime unificado (por fora), seus clientes passam a poder utilizar o crédito integral dos impostos destacados em suas aquisições, ampliando significativamente o potencial competitivo dessas empresas em operações B2B.
Caso opte por permanecer integralmente dentro do regime simplificado, o crédito para os clientes será presumido, utilizando uma alíquota média estipulada pela regulamentação, o que pode tornar menos atraente para clientes que dependem de créditos fiscais em suas operações – podendo girar em torno de 1,5%.
- Exclusão de Benefícios Fiscais no Regime Unificado
Atualmente, os optantes pelo Simples Nacional não podem usufruir integralmente dos benefícios fiscais concedidos a determinados produtos e serviços, como isenção, suspensão ou alíquota zero, que são aplicáveis exclusivamente às empresas do regime regular de tributação. Um exemplo claro ocorre com produtos da cesta básica, que são tributados à alíquota zero no regime regular, mas, quando comercializados por empresas do Simples Nacional, permanecem sujeitos à tributação dentro da alíquota unificada do regime simplificado.
Diante desse cenário, a Reforma Tributária mantém essa limitação no regime unificado, mas oferece uma alternativa: caso a empresa do Simples opte pela tributação de IBS e CBS por fora do regime simplificado (regime híbrido), ela poderá usufruir integralmente dos benefícios fiscais aplicáveis aos produtos que comercializa, como a alíquota zero para itens da cesta básica. Isso pode reduzir significativamente a carga tributária sobre essas operações e aumentar a competitividade no mercado, especialmente em setores com forte presença de produtos incentivados.
- Detalhamento dos Regimes de Tributação
Tributação pelo Regime do Simples Nacional: Os contribuintes do Simples Nacional podem optar por continuar recolhendo os tributos por meio do sistema unificado, conforme previsto na Lei Complementar nº 123/2006, com as atualizações trazidas pela LC 214/2025. Nesse regime, as características são as seguintes:
- Pagamento unificado de tributos, incluindo CBS e IBS, em guia única;
- Facilidade na apuração dos tributos, baseada na receita bruta;
- Não há direito à apropriação de créditos de CBS e IBS por empresas adquirentes do regime regular;
- Exemplo: Uma microempresa que atua no ramo de comércio de roupas e fatura R$ 500.000,00 anuais continua recolhendo seus tributos pelo Simples Nacional. O pagamento ocorre de forma unificada, com alíquotas progressivas definidas na legislação.
Opção pelo Regime Regular de CBS e IBS: A segunda alternativa é a adesão ao regime regular para recolhimento do IBS e da CBS separadamente, que seguem as seguintes regras:
- Os tributos são calculados conforme as regras gerais do IBS e da CBS;
- O contribuinte pode se creditar dos valores pagos em suas aquisições;
- Essa opção deve ser exercida nos meses de setembro e abril e é irretratável para cada semestre;
- Exemplo: Uma empresa de prestação de serviços de tecnologia opta pelo regime regular porque realiza muitas aquisições de insumos tributados por CBS e IBS. Com essa opção, ela pode compensar os créditos tributários gerados na compra de equipamentos e insumos.
As empresas que escolherem o regime regular de CBS e IBS e tiverem recebido ressarcimento de créditos desses tributos não poderão retornar ao Simples Nacional no mesmo ano-calendário. Essa restrição está prevista no § 5º do artigo 41 da LC 214/2025, determinando que o contribuinte que tenha feito essa opção fica impedido de voltar ao regime unificado caso tenha sido beneficiado com ressarcimento de créditos no ano vigente ou no anterior.
Resumo das Principais Mudanças no Simples Nacional:
O que muda | Por que importa | Onde olhar primeiro |
IBS + CBS entram no DAS, mas só até o sublimite do IBS (R$ 3,6 mi/ano ou R$ 1,8 mi/ano). | Recolhimento por fora após sublimite | Projeção de faturamento |
Regime “híbrido” opcional com escolha semestral | Aproveitamento integral de créditos | Simulações financeiras |
Créditos dos clientes dependem do regime escolhido | Competitividade em vendas B2B | Avaliação junto a clientes |
Benefícios fiscais não disponíveis dentro do regime simplificado, diferentemente do regime híbrido. | Repasse das vantagens fiscais para clientes | Avaliar produtos e serviços |
- Conclusão
A Reforma Tributária traz mudanças substanciais que exigem atenção redobrada dos optantes do Simples Nacional. A introdução do IBS e CBS, a possibilidade de regime híbrido e as implicações relacionadas ao crédito integral, benefícios fiscais e competitividade no mercado B2B tornam imprescindível um planejamento fiscal estratégico e uma análise detalhada das operações empresariais.